Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2009, de 19 de Maio de 2009

Acórdáo do Supremo Tribunal de Justiça n. 9/2009

Acordam em pleno nas secçóes cíveis e social do Supremo Tribunal de Justiça:

I - Relatório

Clotilde de Jesus Valente da Costa Dias de Oliveira, residente na Rua do Padre Joáo Gomes Rebelo, 94, 3700 -499

Arrifana, intentou, no dia 20 de Março de 2006, no 2. Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Santa Maria da Feira, um procedimento cautelar de arresto contra Joana Amélia Ribeiro Gonçalves, residente em Grúnwalder Weg, 4, 82008 Unterhaching - Alemanha.

Pediu a apreensáo judicial de um imóvel pertencente à requerida.

Alegou para o efeito que é titular de um crédito sobre aquela e que a mesma está prestes a desfazer -se de referido bem, único património que lhe conhece.

Produzida a prova, foi proferida decisáo que decretou a providência peticionada.

Citada a requerida, veio esta deduzir oposiçáo, objectando a nulidade de todo o processado posterior ao requerimento inicial, decorrente da falta de citaçáo. Aduziu o justo impedimento em prover à sua defesa durante o prazo legal para a deduçáo da oposiçáo, em razáo do seu estado de saúde. Sem prescindir, contrapôs ainda a inexistência do alegado direito de crédito da requerente.

Concluiu, pedindo o levantamento da providência entretanto decretada.

Ao decidir -se a oposiçáo, foram desatendidos a excepçáo e o incidente suscitados pela requerida e, nessa sequência, aquela foi julgada improcedente, por extemporânea.

Inconformada, a requerida agravou de tal decisáo, mas a Relaçáo do Porto negou provimento ao recurso.

Ainda irresignada, interpôs a agravante recurso para este Tribunal, invocando estar o acórdáo recorrido em oposiçáo com outro da Relaçáo de Coimbra sobre a mesma questáo fundamental de direito, e formulou, em síntese, as seguintes conclusóes de alegaçáo:

A agravante desde o início pugnou pela nulidade da citaçáo, requerendo que esta fosse efectuada na sua morada na Alemanha;

A agravante arguiu o justo impedimento e juntou documentos justificativos dentro do prazo estabelecido para a oposiçáo;

A oposiçáo foi apresentada dentro do prazo, pelo que deverá ser recebida;

Os procedimentos cautelares decididos sem audiçáo prévia do requerido deixam de ter natureza urgente após a decisáo;

O despacho do juiz de 1.ª instância, proferido depois de ter sido decretada a providência e notificado às partes, que refere que os autos já náo têm carácter urgente, produz efeitos no próprio processo.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de náo ser necessária ou conveniente a intervençáo do plenário das secçóes com vista à uniformizaçáo de jurisprudência, nos termos dos artigos 732. -A e 732. -B do Código de Processo Civil (adiante designado abreviadamente por CPC).

O Presidente deste Tribunal determinou o julgamento alargado do recurso de agravo.

Foram os autos novamente ao Ministério Público, o qual pronunciou -se, quanto à questáo de fundo, pelo entendimento de que os procedimentos cautelares devem ser considerados urgentes em qualquer fase.

Levantou, contudo, duas questóes prévias sobre a possibilidade de se conhecer do recurso.

Em primeiro lugar, porque existe um despacho proferido em 1.ª instância considerando o processo como náo urgente e que transitou em julgado.

Em segundo lugar, porque o acórdáo recorrido náo se ocupa da questáo de saber se a natureza urgente do proce-dimento abrange a oposiçáo quando esta tenha lugar depois de proferida a decisáo sobre a providência.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II - Questóes a decidir

Sáo as conclusóes das alegaçóes do recorrente que delimitam o objecto do recurso, pelo que o tribunal ad quem, exceptuadas as que lhe cabem ex officio, só pode conhecer as questóes contidas nessas mesmas conclusóes (artigos 684., n. 3, e 690. do CPC).

No caso vertente, e considerando que o agravo para este Supremo Tribunal se funda na oposiçáo de julgados, a questáo essencial decidenda consiste apenas em deter-minar se o carácter urgente dos procedimentos cautelares respeita a todas as suas fases, mormente, à da oposiçáo do requerido.

Fica assim prejudicado o conhecimento por este Tribunal das demais questóes suscitadas pela recorrente, dado que as mesmas náo sáo de conhecimento oficioso nem encontram arrimo nos requisitos a que se refere o n. 2 do artigo 754. do CPC.

Antes, porém, importa tratar as questóes prévias versadas pelo Ministério Público, por contenderem com a possibilidade do conhecimento do recurso.

III - Fundamentaçáo de facto

Os factos a considerar sáo os seguintes:

  1. Por decisáo de 31 de Março de 2006, foi determinado o arresto do prédio urbano sito na Rua das Telheiras, 41, 47 e 61, da freguesia de Alfena, concelho de Valongo, descrito na Conservatória do Registo Predial com o n. 01313/060391 e inscrito na matriz predial urbana com o artigo 3058;

  2. A requerida interveio nos autos por requerimento entrado em juízo em 31 de Julho de 2006, no qual requereu a sua citaçáo nos termos do disposto no artigo 236. do CPC e juntou procuraçáo forense que continha como sendo a da sua residência a morada sita na Rua das Telheiras, 41, Alfena, concelho de Valongo;

  3. Sobre tal requerimento, que foi junto a fls. 78 a 79 dos presentes autos de providência cautelar, incidiu o despacho de fls. 81, de 2 de Agosto de 2006, com o seguinte teor:

    Fls. 78 e segs.

    A apreciar na acçáo principal e no momento próprio (após férias judiciais - o presente procedimento náo tem já natureza urgente). Náo obstante, notifique -se a requerida nos termos de fls. 54, penúltima parte. S. M.

    F., d. s. (Assinatura ilegível.)

  4. Tal despacho foi notificado ao ilustre mandatário da requerida, ora recorrente, por carta remetida em 4 de Agosto de 2006;

  5. Na mesma data foi expedida carta registada com aviso de recepçáo, dirigida à requerida Joana Amélia Ribeiro Gonçalves, para a morada referida na alínea a), notificando -a nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 385., n. 6, do CPC e com a mençáo expressa de que o prazo em causa náo se suspendia durante as férias judiciais, carta essa que foi devolvida com a indicaçáo de que «na morada indicada alegaram que o destinatário se retirou»;

  6. Em 10 de Agosto de 2006 foi solicitado a um solicitador de execuçáo a efectivaçáo da notificaçáo em causa, na morada aludida;

  7. Em 14 de Agosto de 2006, o solicitador de execuçáo deixou aviso na morada mencionada com a indicaçáo para citaçáo com dia e hora certo, ficando consignado que a diligência seria realizada a 16 de Agosto de 2006, pelas 20 horas, afixando o respectivo aviso;

  8. No dia e hora mencionados, o solicitador de execuçáo efectuou a citaçáo da requerida «nos termos dos artigos 239., n.os 1, 303., 385., n. 5, e 484., n. 1, do Código de Processo Civil [...] para no prazo de 10 dias opor-se, querendo, à acçáo acima identificada, com o pedido constante do duplicado da petiçáo inicial e as cópias dos documentos que se encontram nos autos», com a indicaçáo de que era «obrigatória a constituiçáo de advogado» e a cominaçáo de que «a falta de oposiçáo implica a confissáo dos factos articulados pela requerente» e ainda que «o prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo -se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duraçáo for igual ou superior a seis meses ou se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes»;

  9. Esta citaçáo da requerida foi efectuada na pessoa da sua máe, a qual declarou estar em condiçóes de receber a citaçáo e ficar consciente do estatuído no n. 2 e no n.° 4 do artigo 239. do CPC e assinou a certidáo;

  10. Em 21 de Setembro de 2006 foi expedida carta para a morada indicada na alínea b) nos termos do artigo 241. do CPC com a mençáo expressa de que o prazo em causa náo se suspendia durante as férias judiciais;

  11. A oposiçáo deu entrada em juízo a 21 de Setembro de 2006.

    IV - Fundamentaçáo de direito

    1. Questóes prévias

      Das questóes levantadas pelo Ministério Público como «prévias», apenas merece tal qualificaçáo aquela que se refere à existência ou náo de contradiçáo de julgados. Com efeito, tal contradiçáo é condiçáo da possibilidade de conhecimento do recurso por este STJ e, consequentemente, da unificaçáo de jurisprudência.

      Já o mesmo náo ocorre com a questáo da eventual ocorrência do caso julgado, que é uma questáo que respeita ao sentido em que se decidirá quanto ao mérito e que, por isso, será abordada ao se conhecer de fundo.

      A existência de contradiçáo de julgados

      Alega o Ministério Público que o acórdáo recorrido náo se ocupa da questáo de saber se o procedimento cautelar mantém a natureza urgente, quando a oposiçáo é posterior ao decretamento da providência. Náo haveria, por isso, contradiçáo de julgados a fundamentar a uniformizaçáo jurisprudencial. É certo que na decisáo em apreço náo se faz uma referência expressa ao problema teórico, mas é igualmente certo que toma -se concretamente posiçáo sobre tal problema, ao aplicar -se um regime que só é compatível com a consideraçáo de que o processo, no caso, mantinha a natureza urgente. Isto quando consigna que o termo do prazo para a apresentaçáo da oposiçáo «terminou em 5 de Setembro de 2006». Houve, portanto uma clara opçáo por um regime jurídico que é contraditório com o aplicado no acórdáo fundamento. Há, assim, fundamento para a uniformizaçáo.

      3212 B) Questáo de fundo

      1 - O direito de acesso aos tribunais. - O artigo 20. da Constituiçáo da República Portuguesa (adiante designada abreviadamente por CRP) consagra o direito de acesso ao direito e o direito de acesso aos tribunais (n. 1).

      O primeiro tem uma amplitude maior do que o segundo, pois abrange também o direito à informaçáo e consulta jurídicas e o patrocínio judiciário (n. 2). Para além disso, surge frequentemente como pressuposto do segundo, pois o recurso a um tribunal com a finalidade de obter dele uma decisáo sobre uma questáo juridicamente relevante (direito de acesso aos tribunais) pressupóe logicamente um correcto conhecimento dos direitos e deveres por parte dos seus titulares...

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