Parecer n.º 26/2006, de 08 de Agosto de 2006

Parecer n.o 26/2006

Instituto de Gestáo e Alienaçáo do Património Habitacional do

Estado - Fundaçáo D. Pedro IV - Ocupaçáo de fogos - Domínio privado do Estado - Cessáo - Habitaçáo social - Renda apoiada - Contrato administrativo - Nulidade - Interesse público - Modificaçáo unilateral.

1.a A «Transferência de património, direitos e obrigaçóes do IGAPHE para a Fundaçáo D. Pedro IV», operada pelo auto de cessáo celebrado em 1 de Fevereiro de 2005 entre o Instituto de Gestáo e Alienaçáo do Património Habitacional do Estado (IGAPHE) e a Fundaçáo D. Pedro IV, efectuou-se no quadro do artigo 4.o da Lei n.o 55-B/2004, de 30 de Dezembro, e da Resoluçáo do Conselho de Ministros n.o 63/2004, de 21 de Maio.

2.a O auto de cessáo identificado na conclusáo 1.a consubstancia um contrato administrativo, no âmbito do qual a Administraçáo goza dos poderes consagrados no artigo 180.o do Código do Procedimento Administrativo.

3.a Os elementos de facto disponíveis apontam no sentido de que as rendas em vigor em relaçáo à generalidade dos fogos dos bairros das Amendoeiras e dos Lóios, em Chelas, Lisboa, transferidos pelo IGAPHE para a Fundaçáo D. Pedro IV, eram as definidas pelos despachos do Secretário de Estado da Habitaçáo e Urbanismo de 12 de Agosto de 1974 (complementado por despachos de 9 de Dezembro de 1974 e de 15 de Abril de 1975), pelo despacho da mesma entidade de 7 de Setembro de 1976 e pelo despacho do Ministro da Habitaçáo, Urbanismo e Construçáo de 22 de Agosto de 1977.

4.a O regime de rendas aplicável aos mesmos fogos após a referida transferência é o regime de renda apoiada regulado no Decreto-Lei n.o 166/93, de 7 de Maio (cf. o artigo 4.o, n.o 4, da Lei n.o 55-B/2004, de 30 de Dezembro, e a cláusula 5.a do auto de cessáo).

5.a Os elementos de facto disponíveis náo evidenciam - para além dos referidos no n.o 1 da cláusula 2.a do auto de cessáo a existência de «compromissos juridicamente válidos assumidos pelo IGAPHE perante os moradores» do património transferido dos bairros das Amendoeiras e dos Lóios.

6.a A eventual configuraçáo e confirmaçáo de quaisquer outros «compromissos juridicamente válidos» deve ser honrada pelo IGAPHE e por este imposta à cessionária.

7.a Nos termos da Constituiçáo (artigo 84.o, n.o 2), o Estado, as Regióes Autónomas e as autarquias locais sáo titulares de bens do domínio público.

8.a Integram o domínio público municipal, designadamente, as estradas e os caminhos municipais, as ruas, as praças, os jardins, os espaços verdes, bem como o sistema de saneamento, existentes na respectiva área.

9.a Os bens submetidos ao estatuto de dominialidade náo podem ser objecto de direitos privados, sendo, por isso, inalienáveis (cf. o artigo 202.o,n.o 2, do Código Civil).

10.a A parte final do n.o 1 do artigo 4.o da Lei n.o 55-B/2004, de 30 de Dezembro, deve, em conformidade com o disposto no artigo 84.o, n.o 1, alínea c), da Constituiçáo, ser interpretada restritivamente, no sentido de que, sendo o cessionário uma instituiçáo particular de solidariedade social, a transferência da propriedade de património náo pode abranger bens pertencentes ao domínio público.

11.a A alínea b) da cláusula 1.a do auto de cessáo, a entender-se que abrange a transferência da propriedade de bens do domínio público para a Fundaçáo D. Pedro IV, enfermaria de nulidade por impossibilidade do objecto.

12.a A nulidade referida na conclusáo anterior náo determinaria a invalidade do contrato.

13.a A aplicaçáo do regime de renda apoiada aos moradores dos bairros das Amendoeiras e dos Lóios, a que alude a conclusáo 4.a, deverá ser objecto, nos termos do disposto no n.o 2 do artigo 11.o

14 318 do Decreto-Lei n.o 166/93, de 7 de Maio, de actividade mediadora que leve em conta as condiçóes concretas de tal aplicaçáo, nos termos referidos nos n.os 22 e 23 do corpo do parecer.

14.a As respostas às questóes formuladas poderáo constituir justificaçáo para a Administraçáo, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 180.o do Código do Procedimento Administrativo, suscitar a modificaçáo unilateral do auto de cessáo, de forma a uma mais adequada prossecuçáo do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos moradores do património transferido para a Fundaçáo D. Pedro IV.

15.a Afigura-se, designadamente, ser de ponderar a modificaçáo das cláusulas 1.a, 4.a e 5.a, nos termos sintetizados no n.o 23 do corpo do parecer.

Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades:

Excelência:

1 - Tendo em conta a situaçáo do «património habitacional edificado» em Chelas (bairro das Amendoeiras e bairro dos Lóios), Lisboa, transferido pelo Instituto de Gestáo e Alienaçáo do Património Habitacional do Estado (IGAPHE) para a Fundaçáo D. Pedro IV, dignou-se V. Ex.a solicitar que o Conselho Consultivo se pronunciasse, com urgência, sobre as seguintes questóes (1):

1 - Apreciaçáo da legalidade do auto de cessáo que operou a transferência do património habitacional do IGAPHE no concelho de Lisboa para a Fundaçáo D. Pedro IV.

2 - Avaliaçáo da suficiência e da adequaçáo das cláusulas e condiçóes estabelecidas no auto de cessáo para assegurar o interesse público na boa gestáo do património habitacional transferido.

3 - Apreciaçáo da validade das exigências que a Fundaçáo faz aos moradores, tendo sobretudo em conta o auto de cessáo e os compromissos anteriormente assumidos em relaçáo aos moradores, designadamente no que concerne o regime de rendas e ao modo de actualizaçáo, a fórmula de cálculo da renda técnica, a cominaçáo da resoluçáo do contrato por náo resposta oportuna ao questionário e o facto de náo serem tidas em conta as obras de beneficiaçáo feitas pelos moradores no cálculo da renda.

4 - Averiguar se existem compromissos juridicamente válidos assumidos pelo IGAPHE perante os moradores do património transferido do bairro das Amendoeiras em Lisboa e quais os seus efeitos jurídicos perante a Fundaçáo.

5 - Em que medida as respostas anteriores podem constituir fundamento para impor alteraçóes ao auto de cessáo e qual a possibilidade e o modo de o Estado vir, unilateralmente, a exigir alteraçóes ao acordado.

6 - Qual o regime de renda que efectivamente vigorava em relaçáo aos fogos transferidos pelo IGAPHE para a Fundaçáo D.

Pedro IV. E qual deverá ser o regime de renda aplicável.

Cumpre emitir parecer. 2 - O pedido de consulta vem acompanhado da remessa de diversa documentaçáo (2), donde se extraem os seguintes dados de facto relevantes para a análise das questóes colocadas:

a) «Antes de 25 de Abril de 1974, o entáo Fundo de Fomento de Habitaçáo iniciou a construçáo de diversos fogos, cerca de 923, para habitaçáo social, no bairro de Chelas, freguesia de Marvila, concelho de Lisboa, denominado 'bairro de casas económicas de Chelas'» (3);

b) «Logo após o 25 de Abril e até 10 de Maio de 1974, 575 desses fogos foram ocupados por moradores e, posteriormente, no decorrer dos anos 1974 e 1975, foram ocupados mais 389 fogos, legalizados pelos Decretos-Leis n.os 198-A/75, de 14 de Abril, e 294/77, de 20 de Julho»; c) «A ocupaçáo das habitaçóes da zona I de Chelas processou-se em três vagas, que deram origem a vários documentos e despachos visando a fixaçáo das respectivas condiçóes de legalizaçáo dos ocupantes e a determinaçáo das rendas a pagar, nos termos que sumariamente se indicam»; d) «A primeira vaga de ocupaçóes deu-se até 10 de Maio de 1974 e foi regulada pelo despacho do Secretário de Estado da Habitaçáo e Urbanismo de 12 de Agosto de 1974 (anexo I) e completada pelos despachos exarados, em 9 de Dezembro de 1974, na informaçáo n.o 732/DSS/74, de 22 de Novembro, e em 15 de Dezembro [parece tratar-se de Abril] de 1975, na informaçáo n.o 189/DSS/75, de 18 de Março (cf. os anexos II e III, respectivamente)»; e) O despacho do Secretário de Estado da Habitaçáo e Urbanismo de 12 de Agosto de 1974, sob a designaçáo «normas para legalizaçáo das ocupaçóes efectuadas antes de 10 de Maio no núcleo habitacional de Chelas», estabelece os valores de renda mensal para as casas dis-

tribuídas em funçáo da respectiva categoria e tipo (n.o 1); a renda é devida a partir de 1 de Agosto de 1974 (caso a habitaçáo se encontre concluída) ou da data a partir da qual os fogos se considerem em condiçóes de ser habitados (n.os 8 e 9), sendo «desde já legalizadas todas as situaçóes que se encontrem ajustadas aos critérios» estabelecidos (n.o 10); f) Os despachos de 9 de Dezembro de 1974 e de 15 de Abril de 1975 procedem a ajustamentos das categorias segundo a dimensáo do agregado familiar; g) «A segunda vaga de ocupaçóes ocorreu em Novembro de 1974, tendo o despacho do Secretário de Estado da Habitaçáo e Urbanismo exarado em 7 de Setembro de 1976, na informaçáo n.o 202/GE/76, de 13 de Agosto, autorizado a aplicaçáo a estes ocupantes das normas definidas pelo despacho de 12 de Agosto de 1974 (anexo IV)»; h) «Finalmente, a terceira vaga de ocupaçóes ocorreu entre 3 e 4 de Abril de 1975. Esta vaga é referenciada na informaçáo n.o 271/DSS/75, de 9 de Abril, resultando de o processo náo ser possível concluir sem margem para dúvida se à mesma teráo sido aplicadas as mesmas regras aplicadas aos restantes ocupantes»; i) Naquela informaçáo dá-se conta de que nos dias 3 e 4 de Abril de 1975 «verificou-se uma nova vaga de ocupaçóes» e solicita-se que «o assunto seja objecto de urgente definiçáo superior»; em tomadas de posiçáo constantes do rosto da informaçáo, chama-se a «atençáo para a gravidade da situaçáo», «havendo por isso necessidade de uma directiva ao nível governamental», para o que - em 9 de Abril desse ano - se submete «o problema à consideraçáo do Secretário de Estado da Habitaçáo e Urbanismo»; j) Ainda no rosto da informaçáo n.o 271/DSS/75, encontra-se exarado o seguinte despacho, que se presume ser do Secretário de Estado da Habitaçáo e Urbanismo:

Visto. Aguarde-se a saída do decreto regulador.

Lisboa, 15 de Abril de 1975.

;

l) Com data de 14 de Abril de 1975, foi publicado o Decreto-Lei n.o 198-A/75, que...

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