Acórdão n.º 383/2008, de 15 de Outubro de 2008

Acórdáo n. 383/2008

Processo n. 1046/07

Acordam na 1.ª Secçáo do Tribunal Constitucional:

I - Relatório

1 - Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente a Caixa Económica Montepio Geral e sáo recorridos Nuno Miguel Virtuosa Chinchinim e outros, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n. 1 do artigo 70. da Lei da Organizaçáo, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do Acórdáo daquele Tribunal de 18 de Setembro de 2007.

2 - Por sentença do Tribunal Judicial do Montijo foi declarada a insolvência de Nuno Miguel Virtuosa Chinchinim, Arlindo Candeias Chinchinim e Isabel Virtuosa Chinchinim, tendo sido fixado o prazo de 30 dias para a reclamaçáo de créditos. Findo este prazo, o administrador da insolvência juntou a lista dos credores reconhecidos e náo reconhecidos nos termos do artigo 129., n. 1, do Código da Insolvência e da Recuperaçáo de Empresas (CIRE). Foi entáo proferida sentença de verificaçáo e graduaçáo dos créditos, nos termos do n. 3 do artigo 130. do CIRE, pela qual foi homologada a lista de credores reconhecidos.

3 - A recorrente interpôs recurso desta sentença para o Tribunal da Relaçáo de Lisboa. Por Acórdáo de 30 de Novembro de 2006 o recurso foi julgado improcedente. A recorrente interpôs entáo recurso de revista desta decisáo, sustentando o seguinte:

Da inconstitucionalidade:

Dispóe o artigo 130., n. 1 do CIRE:

Nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no n. 1 do artigo anterior, pode qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusáo ou exclusáo de créditos, ou na incorrecçáo do montante ou da qualificaçáo dos créditos reconhecidos.

Ora, tal norma, quando interpretada no sentido de que se esgota naquele prazo a possibilidade de qualquer interessado 'atacar' o reconhecimento de eventual crédito reclamado em sede de processo de insolvência, além de redutor, enferma de evidente inconstitucionalidade, por ofensa aos princípios da proporcionalidade, da protecçáo jurídica e das garantias processuais, do acesso ao direito e aos tribunais e ainda ao princípio da precisáo ou determinabilidade das normas jurídicas, ínsitos na Constituiçáo da República Portuguesa

Se o actual CIRE, da forma como se mostra processualmente estruturado, tem como finalidade a rápida tramitaçáo processual, também náo poderá, por este motivo, funcionar como que tampáo redutor que restringe o acesso das partes ao próprio processo de insolvência.

Vem isto a propósito, do facto dos credores que pretendam impugnar outros créditos reclamados em sede de processo de insolvência, estarem restritos ao prazo de 10 dias contados após a entrega, efectuada pelo administrador da insolvência, na secretaria do tribunal, das listagens dos credores por ele reconhecidos e náo reconhecidos.

Sendo certo que, conforme dispóe o artigo 129., n. 1, do CIRE, o administrador da insolvência dispóe de 15 dias, a contar do termo do prazo para as reclamaçóes, para efectuar a referida entrega.

Como se náo bastasse tal profusáo de prazos, o administrador da insolvência náo está obrigado a notificar os credores das referidas listagens.

Desta forma qualquer credor que pretenda impugnar qualquer crédito reclamado, ao abrigo do disposto no artigo 130., n. 1, do CTRE, tem que náo só obter da própria secretaria do tribunal, cópia das listagens dos créditos reconhecidos e náo reconhecidos e para a eventualidade de os pretender impugnar tentar obter cópia, junto do administrador da insolvência do teor das mencionadas reclamaçóes.

Para isto tudo dispóe de 10 dias.

Como já afirmámos, apoiamos a celeridade processual no âmbito do processo de insolvência. Todavia, tal celeridade náo pode colocar em crise direitos fundamentais que possam impedir um justo acesso ao direito e à justiça.

É óbvio que, na perspectiva da ora recorrente, a norma constante do artigo 130., n. 1, do CIRE é redutora do acesso ao direito.

Até porque nada garante ao comum cidadáo que possa ter conhecimento atempado das listagens entregues pelo administrador da insolvência.

E mesmo que as tenha que garantia tem que consegue obter as cópias da p. i. das reclamaçóes de crédito que pretende impugnar?

E se as náo consegue obter, como conseguirá impugnar os créditos nelas reclamados?

Para que, com elevado grau de fiabilidade, qualquer cidadáo que pretenda impugnar qualquer eventual crédito reclamado em sede de CIRE, o possa fazer, o mais provável é que tenha que se deslocar diariamente ao tribunal para sindicar com rigor do depósito das listagens de credores reconhecidos e náo reconhecidos efectuado pelo administrador da insolvência, uma vez que disso náo é notificado.

A norma jurídica constante do artigo 130., n. 1, do CIRE é, como já vimos, redutora e ofensiva dos mais elementares princípios do livre acesso ao direito e à justiça, consagrados no artigo 20° da Constituiçáo da República Portuguesa.

Ao restringir a 10 dias, o prazo para impugnar créditos em sede de processo de insolvência, quando para isso náo se é notificado, a norma supramencionada ofende o princípio constitucional da proporcionali-dade, atenta a justa adequaçáo da medida coactiva que visa alcançar determinado fim jurídico, in casu, o da impugnaçáo de créditos.

Ou seja, a norma é desproporcional tendo em conta o fim a que se destina.

Reduzir a um único prazo de 10 dias, como último e único prazo limite, náo obstante as limitaçóes processuais atrás mencionadas, é desproporcional em relaçáo ao efeito jurídico pretendido.

Sendo, também, por estes motivos, violadora do princípio da protecçáo jurídica e das garantias processuais.

A norma transcrita no artigo 130., n. 1, do CIRE náo traduz o principio do estado de direito que exige um procedimento justo e adequado de acesso à justiça e de realizaçáo do direito.

Sendo inconstitucional a norma referida no artigo 130., n. 1, do CIRE, no sentido de que se esgota naquele prazo a possibilidade de qualquer interessado 'atacar' o reconhecimento de eventual crédito reclamado em sede de processo de insolvência, náo pode a mesma ser invocada e aplicada em qualquer procedimento judicial.

Conclusóes:

[...]

25.ª A norma contida no artigo 130., n. 1, do CIRE, interpretada e aplicada no sentido de que de que se esgota no prazo de 10 dias, a possibilidade de qualquer interessado 'atacar' o reconhecimento de eventual crédito reclamado em sede de processo de insolvência é materialmente inconstitucional por violadora dos princípios da proporcionalidade, da protecçáo jurídica e das garantias processuais, do acesso ao direito e aos tribunais e ainda ao princípio da precisáo ou determinabilidade das normas jurídicas, ínsitos na Constituiçáo da República Portuguesa;

26.ª Ao restringir, a 10 dias, o prazo para impugnar créditos em sede de processo de insolvência, quando para isso náo se é notificado, a norma supra mencionada ofende o principio constitucional da proporcionalidade, atenta a justa adequaçáo da medida coactiva que visa alcançar o determinado fim, in casu, o da impugnaçáo de créditos;

27.ª Além de violadora do princípio da protecçáo jurídica e das garantias processuais, a norma transcrita no artigo 130., n. 1, do CIRE náo traduz o principio do estado de direito que exige um procedimento justo e adequado de acesso à justiça e de realizaçáo do direito;

28.ª Sendo inconstitucional tal norma náo pode ser invocada e aplicada em qualquer procedimento judicial.

4 - O Supremo Tribunal de Justiça acordou em negar a revista pelo acórdáo agora recorrido, do qual importa reter o seguinte:

Finalmente, a questáo da inconstitucionalidade do artigo 130., n. 1, do CIRE - impugnaçáo da lista de credores reconhecidos. Tal normativo consigna:

'Nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no n. 1 do artigo anterior,

pode qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusáo ou exclusáo de créditos, ou na incorrecçáo do montante ou da qualificaçáo dos créditos reconhecidos' (o artigo 129. refere -se aos procedimentos que competem ao administrador no que respeita à apresentaçáo na secretaria de listas de todos os credores por si reconhecidos e náo reconhecidos).

Como resulta das conclusóes adrede formuladas, o recorrente sustenta que a norma contida no artigo 130., n. 1, do CIRE, interpretada e aplicada no sentido de que se esgota no prazo de 10 dias, a possibilidade de qualquer interessado "atacar" o reconhecimento de eventual crédito reclamado em sede de processo de insolvência é materialmente

42176 inconstitucional, por violadora dos princípios da proporcionalidade, da protecçáo jurídica e das garantias processuais, do acesso ao direito e aos tribunais e ainda ao principio da precisáo ou determinabilidade das normas jurídicas, ínsitos na Constituiçáo da República Portuguesa.

Ao restringir, a 10 dias, o prazo para impugnar créditos em sede de processo de insolvência, quando para isso náo se é notificado, a norma supra mencionada ofende o princípio constitucional da proporcionali-dade, atenta a justa adequaçáo da medida coactiva que visa alcançar o determinado fim, in casu, o da impugnaçáo de créditos.

Além de violadora do princípio da protecçáo jurídica e das garantias processuais, a norma transcrita no artigo 130., n. 1, do CIRE náo traduz o princípio do estado...

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