Acórdão n.º 620/2007, de 14 de Janeiro de 2008

Acórdáo n. 620/2007

Processo n. 1130/2007

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:

I - Relatório

1 - O Presidente da República requereu, nos termos do n. 1 do artigo 278. da Constituiçáo da República Portuguesa (CRP) e do n. 1 do artigo 51. e do n. 1 do artigo 57. da lei de organizaçáo, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n. 28/82, de 15 de Novembro, alterada, por último, pela Lei n. 13 -A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade com a Constituiçáo da República das seguintes normas do Decreto da Assembleia da República n. 173/X, recebido na Presidência da República no dia 21 de Novembro de 2007 para ser promulgado como lei:

Norma constante do n. 3 do artigo 2. e, a título consequente, normas do n. 2 do artigo 10. e do n. 2 do artigo 68.;

Normas constantes do proémio do n. 1 do artigo 80., assim como das respectivas alíneas a) e c), do proémio do n. 1 do artigo 101. e das suas alíneas a) e b), bem como do n. 2 do mesmo preceito, e do proémio do n. 1 do artigo 112., assim como das respectivas alíneas a), b) e c);5. Náo deixa de ser legítimo inferir, no plano lógico e no teleológico, sob pena de incongruência, que se a norma do n. 3 do artigo 2. do decreto coloca os juízes dos tribunais judiciais no âmbito subjectivo de aplicaçáo desse mesmo diploma é porque se propóe dispor utilmente sobre o estatuto dos mesmos juízes, matéria que figura no Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ).

6. Ora, quanto ao sentido dessa incidência normativa, náo tendo a disposiçáo constante do n. 3 do artigo 2. do decreto que salvaguarda a vigência de leis especiais qualquer intençáo derrogatória do EMJ pelo diploma sub iuditio, restará circunscrever a aplicaçáo útil e possível do referido decreto aos magistrados a apenas dois tipos de relaçóes jurídico -normativas, a saber:

a) A sua aplicaçáo como legislaçáo supletiva em relaçáo ao EMJ;

b) A aplicaçáo paramétrica de alguns dos seus princípios ou bases gerais ao conteúdo do EMJ, quando tal decorra do decreto.

7. Abordando a hipótese da supletividade configurada na alínea a) do número anterior, resulta da Constituiçáo que os juízes dos tribunais judiciais sáo titulares de órgáos de soberania, cuja independência funcional e orgânica é, por seu turno, predicada pelas garantias de independência, inamovibilidade e irresponsabilidade dos mesmos magistrados, pelo que caberá em exclusivo ao respectivo estatuto - ao qual o artigo 215. da CRP impóe um conteúdo necessariamente especial - deter-minar qual a legislaçáo supletiva que lhe será aplicável e qual o âmbito dessa aplicaçáo.

8. Verifica -se, por conseguinte, à luz dessa especiali-dade estatutária conformada por força de uma imposiçáo constitucional, que:

a) Uma realidade será o EMJ, como lei especial constitucionalmente qualificada e integrada na reserva absoluta de competência legiferante da Assembleia da República, definir qual a legislaçáo supletiva que se lhe aplica;

b) Outra, bem diferente, será uma lei integrada na reserva relativa de competência da mesma Assembleia, assim como na esfera concorrencial desta com o Governo e tendo por objecto o estabelecimento dos regimes de vinculaçáo de carreiras e de remuneraçóes dos trabalhadores da funçáo pública, impor -se ao EMJ como legislaçáo subsidiária.

9. A soluçáo contida no decreto que se encontra em apreciaçáo é precisamente a inversa da soluçáo constitucionalmente exigível e que consta da alínea a) do número anterior deste pedido, dado que do n. 3 do artigo 2. do decreto (conjugado com outras disposiçóes, como a do artigo 101.), se retira uma imposiçáo de aplicaçáo aos juízes, dos regimes dos trabalhadores que exercem funçóes públicas, mesmo na eventual qualidade de legislaçáo supletiva, invertendo -se a regra decorrente do n. 1 do artigo 215. da CRP que reserva ao estatuto único dos magistrados judiciais a regulaçáo de todo o regime legal que lhes é funcionalmente aplicável, nele compreendida a determinaçáo da legislaçáo subsidiária.

10. Por consequência, o facto de o n. 3 do artigo 2. do decreto deslocar a determinaçáo de legislaçáo subsidiária virtualmente aplicável ao EMJ, do estatuto para

Normas constantes da alínea b) do n. 2 e do n. 4 do artigo 35.;

Norma constante do n. 3 do artigo 36., bem como, a título consequente, as normas previstas nos n.os 4 e 5 do mesmo artigo e, ainda, com fundamento em reenvio para o n. 3 do artigo 36., a norma constante do n. 2 do artigo 94.;

Norma constante do n. 2 do artigo 54.;

Norma constante do n. 1 do artigo 55., conjugada com as demais normas do mesmo preceito;

Norma constante do n. 8 do artigo 56.;

Norma constante do n. 3 do artigo 68. e norma prevista no n. 5 do mesmo artigo.

Fundamentou o seu pedido nas seguintes ordens de consideraçóes:

1. As normas que sáo objecto do presente pedido de fiscalizaçáo da constitucionalidade integram o decreto aprovado pela Assembleia da República que 'estabelece os regimes de vinculaçáo, de carreiras e de remuneraçóes dos trabalhadores que exercem funçóes públicas', o qual revoga, em bloco, toda a legislaçáo vigente sobre a mesma matéria, nela se encontrando incluída legislaçáo de bases, como é o caso do Decreto -Lei n. 184/89, de 2 de Junho, que estabelece princípios gerais em matéria de emprego público, remuneraçóes e gestáo do pessoal da funçáo pública.

2. O decreto sindicado, pese o facto de incidir no âmbito de uma matéria relativamente à qual a alínea t) do n. 1 do artigo 165. da CRP prevê a ediçáo de legislaçáo de bases, náo se autoqualifica como um acto legislativo dessa natureza, embora contenha no seu preceituado, a par de uma normaçáo maioritária de tipo comum, diversos princípios gerais e comandos paramétricos sobre outras leis, susceptíveis de serem identificados como bases gerais, pelo que, em razáo do valor heterogéneo das disposiçóes que o integram, o mesmo acto é passível de ser qualificado como uma lei 'mista'.

I - Aplicaçáo do diploma aos magistrados dos tribunais judiciais

3. A norma constante do n. 3 do artigo 2. do decreto, a qual dispóe sobre o seu âmbito subjectivo de aplicaçáo, determina expressamente que 'sem prejuízo do disposto na Constituiçáo e em leis especiais, a presente lei é ainda aplicável, com as necessárias adaptaçóes, aos juízes de qualquer jurisdiçáo e aos magistrados do Ministério Público'.

4. O n. 1 do artigo 215. da CRP determina que os juízes dos tribunais judiciais 'formam um corpo único e regem -se por um só estatuto', do que decorre:

a) Que a mesma categoria de juízes possui uma especificidade estatutária própria em face dos restantes juízes, bem como em relaçáo ao Ministério Público e aos funcionários públicos em geral;

b) Que sendo os tribunais judiciais órgáos de soberania (n. 1 do artigo 110. da CRP) e os juízes titulares dos mesmos órgáos (n. 1 do artigo 215. da CRP), impóe-se que o conteúdo nuclear e funcional do seu estatuto conste necessariamente de lei aprovada pela Assembleia da República ao abrigo da sua reserva absoluta de competência legislativa [alínea m) do artigo 164. da Constituiçáo].

456 os regimes de vinculaçáo, carreiras e remuneraçóes da funçáo pública, náo deixa de poder ter como efeito a sua inconstitucionalidade, bem como a inconstitucionalidade consequente de outras normas do diploma aplicáveis aos juízes como o n. 2 do artigo 10. e o n. 2 do artigo 68., dado que:

a) O alargamento do âmbito material da legislaçáo subsidiária aplicável aos juízes, em relaçáo àquele que se encontra presentemente consagrado circunscritamente no n. 2 do artigo 10. -A, no artigo 32., no artigo 69. e no artigo 131. do EMJ, altera, por força de uma ampliaçáo operada por lei geral, a previsáo mais restrita do direito supletivo fixada por essas normas estatutárias, o que envolve a sua inconstitucionalidade fundada em violaçáo da especialidade qualificada do EMJ, garantida pelo n. 1 do artigo 215. da CRP, da qual decorre que seja apenas o estatuto a identificar a respectiva legislaçáo subsidiária;

b) A assimilaçáo ou equiparaçáo, mesmo parcial, do cargo dos juízes - titulares de órgáos de soberania cujo exercício de funçóes é garantido pelos princípios constitucionais da independência, inamovibilidade e irresponsabilidade - ao estatuto qualitativamente diverso dos trabalhadores da funçáo pública, o qual supóe uma relaçáo de hierarquia e dependência funcional com a tutela do Governo (artigo 182. da CRP) e a aplicaçáo dos regimes relativos às relaçóes de emprego e trabalho subordinado, suscita a questáo da inconstitucionalidade da norma sindicada, por ofensa aos princípios constantes do artigo 203. e dos n.os 1 e 2 do artigo 216. da CRP.

11. Abordando agora as relaçóes de parametricidade a que se refere a alínea b) do n. 6. do pedido, cumpre identificar, pelo menos, três disposiçóes normativas legais sobre a normaçáo constantes do decreto que se afiguram susceptíveis de definiçáo como legislaçáo de bases e que vertem comandos vinculativos sobre diversas leis especiais, das quais o EMJ náo se encontra excluído, como será o caso:

a) Da norma que declara a prevalência do próprio decreto e de leis que o regulamentem sobre 'leis especiais aplicáveis a carreiras especiais' e que emerge da conjugaçáo do proémio do n. 1 do artigo 80. do decreto e das suas alíneas a) e c) com o n. 2 do artigo 10., dela resultando a exigência de conformidade do EMJ com princípios estruturantes do diploma em matéria de nomeaçáo;

b) Do disposto no n. 1 do artigo 101., que prescreve a obrigatoriedade de revisáo das leis que aprovam regimes especiais e corpos especiais no prazo de 180 dias, tendo por fim a observância dos princípios e objectivos fixados nas correspondentes alíneas, bem como no n. 2, náo se encontrando excepcionadas as leis especiais que aprovam o estatuto dos juízes e dos magistrados do Ministério Público;

c) A norma constante do n. 1 do artigo 112. do decreto, na medida em que impóe, também sem excepcionar o EMJ, a revisáo de toda a legislaçáo especial em matéria de suplementos...

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