Acórdão n.º 519/2007, de 05 de Dezembro de 2007

Acórdáo n. 519/2007

Processo n. 700/07

Acordam na 2.ª Secçáo do Tribunal Constitucional

Relatório

Maria Olímpia Duarte Fernandes propôs no Tribunal de Trabalho de Lisboa uma acçáo (proc. n. 1655/06.8TTLSB, da 2ª sec, do 1. Juízo) contra a sua entidade patronal, Pierre Fabre Dermo - Cosméticos Portugal, L.da, pedindo a condena çáo desta no pagamento da importância global de € 33.300,00, pedido esse a que correspondia uma taxa de justiça inicial no montante de € 244,75, reduzida a € 220,28, em virtude da Autora ter utilizado os meios electrónicos (artigos 23., n. 1, e 15., n. 1, do C.C.J.)

A Autora procedeu ao pagamento da referida taxa de justiça inicial

reduzida e juntou com a petiçáo inicial comprovativo desse pagamento (artigo 24., n. 1, a), do C.C.J.)

Tendo sido designada data para a realizaçáo da audiência das partes, veio a acçáo a terminar mediante transacçáo, que foi homologada judicialmente antes da demandada ser sequer notificada para contestar.

As partes transigiram igualmente em matéria de custas judiciais, tendo ficado entáo acordado que as custas devidas em juízo seriam suportadas a meias pelas partes.

Na elaboraçáo da conta final de custas, apurou -se o valor ainda em dívida para atingir a taxa de justiça do processo e dividiu -se esse resultado por dois (€ 134,61), em suposta observância da lei e da sentença homologatória da transacçáo quanto a custas, tendo -se notificado cada uma das partes para pagar esse valor.

A Autora reclamou da conta, tendo sido proferida decisáo, deferindo a reclamaçáo, com a seguinte fundamentaçáo:

"Dispóe o artigo 13. n. 2 do CCJ vigente que "a taxa de justiça do processo corresponde ao somatório das taxas de justiça inicial e subsequente de cada parte."

Na sequência deste preceito legal, foi elaborado um programa informático, cuja aplicaçáo resulta no seguinte: em caso de transacçáo judicialmente homologada, segundo a qual as custas em dívida a juízo seráo suportadas em partes iguais, como é o caso dos autos, incumbe ao A. que já suportou integral mente a taxa de justiça inicial a seu cargo, garantir, ainda, o pagamento de metade do remanescente da taxa de justiça, ainda em dívida, sem prejuízo do ónus de subsequentemente reaver tal quantia da R., a título de custas de parte, que, refira -se, no caso concreto, até prescindiu em sede de transacçáo.

Ou seja, da aplicaçáo informática em apreço, resulta que a A. suporta integralmente a taxa de justiça inicial e metade do remanescente em dívida e o R., que muitas vezes deu causa à acçáo apenas pague metade desse remanescente.

O que significa que, tendo a A. pago a totalidade da taxa de justiça da sua responsabilidade, o sistema assume que tenha pago apenas metade, imputando -lhe o pagamento da outra metade, que foi o que claramente ocorreu nos presentes autos.

Neste sentido, e em termos técnicos, a conta náo foi incorrectamente elaborada pelo Ex.mo Sr. Escriváo da secçáo que se limitou a cumprir escrupulosamente a elaboraçáo da conta, tendo introduzido correctamente todos os dados os quais foram processados pelo respectivo programa informático.

É o sistema informático que assume o pagamento da taxa de justiça pelo A. como sendo a taxa de justiça do processo e o divide, imputando automaticamente metade na esfera da Ré que, em boa verdade, nada pagou, sem prejuízo de, em última análise, o sistema informático náo possa ser directamente responsa bilizado uma vez que foi criado para seguir a lei.

Porém, na sequência do Ac. do Tribunal Constitucional n. 40/2007, publicado no Diário da República 2.ª série de 27 de Fevereiro de 2007, deve considerar -se inconstitucional, "por violaçáo do princípio da pro-

porcionalidade, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2. da Constituiçáo da Repú blica Portuguesa, a norma constante do artigo 13., n. 2, do Código das Custas Judiciais, interpretada no sentido de que, no caso de transacçáo judicialmente homologada, segundo a qual as custas em dívida a juízo seráo suportadas a meias, incumbe ao autor que já suportou integralmente a taxa de justiça inicial a seu cargo garantir ainda o pagamento de metade do remanescente da taxa de justiça, ainda em dívida, com o ónus de subsequentemente reaver tal quantia do réu, a título de custas de parte".

Na verdade, como se refere no Acórdáo acabado de citar, o normativo legal em apreço, na interpretaçáo que resulta do programa informático em aplicaçáo, viola o princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado, atenta a diversidade de posiçóes processuais das partes e a sua actividade em juízo, considerando que a intervençáo de ambas as partes, até ao momento da transacçáo, náo é tal modo dispare que conduza a uma oneraçáo excessiva da A. em prole da R.

Aliás, a interpretaçáo correcta é no sentido de "em caso de transacçáo homologada judicialmente antes de o réu ter pago a sua taxa de justiça inicial, segundo a qual as custas em dívida seráo suportadas em partes iguais, tendo o autor suportado integralmente a taxa de justiça que lhe compete por ter pago a taxa de justiça inicial, deverá o réu ser notificado para pagar o remanescente da taxa de justiça do processo" - cf. o Ac. do TC n. 40/2007.

Deste modo, constata -se a existência de norma materialmente inconstitucional - o artigo 13., n. 2 do CCJ vigente, na interpretaçáo pugnada pela apli caçáo informática na qual se baseou o Sr. Escriváo de Direito - pelo que se recusa a aplicaçáo da mesma (artigos 277. e 280. CRP).

Pelo exposto, julga -se procedente a reclamaçáo da conta formulada pela A., e determina -se a rectificaçáo da conta de custas em conformidade com a interpretaçáo supra exarada, nada mais sendo imputado à A. para além da taxa de justiça inicial já paga."

O Ministério Público interpôs recurso desta decisáo para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a), do n. 1, do artigo 70., da lei da Organi zaçáo, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), suscitando a fiscalizaçáo da constitucionalidade concreta nos seguintes termos:

A douta decisáo referida recusou a aplicaçáo do artigo 13 n. 2 do Código das Custas Judiciais aprovado pelo Decreto -Lei n. 324/2003 de 27/12 norma essa interpretada em termos de - no caso de transacçáo judicial homologada, segundo a qual as custas em dívida a juízo seráo suportadas a meias - incumbir ao autor que já suportou integralmente a taxa de justiça inicial a seu cargo, garantir ainda o pagamento de metade do remanescente da taxa de justiça ainda em dívida com o ónus de subsequentemente reaver tal quantia do réu a título de custas de parte.

Pretende -se que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade da norma cuja aplicaçáo foi recusada.

O Ministério Público junto deste Tribunal apresentou posteriormente alegaçóes, culminando as mesmas com a formulaçáo das seguintes conclusóes:

1.ª) É inconstitucional, por violaçáo do princípio da proporcionalidade, a interpretaçáo normativa do artigo 13., n. 2, do Código das Custas Judi ciais, segundo a qual, no caso de transacçáo judicialmente homologada, segundo a qual as custas em dívida a juízo seráo suportadas a meias, incumbe ao autor que já suportou integralmente a taxa de justiça a seu cargo garantir ainda o paga mento de metade do remanescente da taxa de justiça em dívida, com o ónus de subsequentemente reaver tal quantia do réu, a título de custas de parte.

2.ª) Termos em que deverá confirmar -se o juízo de inconstitucionalidade formulado pela decisáo recorrida.

A Recorrida apresentou também alegaçóes, tendo concluído do seguinte modo:

"1. - A norma legal cuja inconstitucionalidade foi suscitada no despacho recorrido - o artigo 13., n. 2, do CCJ - a admitir uma interpretaçáo condu cente a um resultado como o supra descrito, é organicamente inconstitucional, por permitir a criaçáo de um encargo para um particular que náo tem a natureza bilateral característica da taxa, tendo antes a natureza unilateral característica do imposto. Sendo a criaçáo de impostos matéria reservada à lei da Assembleia da República, o artigo 13., n. 2, do CCJ, por ter sido decretado pelo Governo, sem autorizaçáo legislativa, é organicamente inconstitucional, por violaçáo do artigo 165., alínea i), da CRP.

  1. - A norma em apreço viola, assim, o princípio da legalidade tributária, que se traduz no direito fundamental dos cidadáos plasmado no n. 3 do artigo 103. da CRP, segundo o qual "Ninguém pode ser...

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