Decreto-Lei n.º 178/2006, de 05 de Setembro de 2006

Decreto-Lei n.o 178/2006

de 5 de Setembro

1 - O regime jurídico de gestáo de resíduos foi pela primeira vez aprovado em Portugal por meio do Decreto-Lei n.o 488/85, de 25 de Novembro. A evoluçáo rápida do direito comunitário - com a alteraçáo da Directiva n.o 75/442/CEE, do Conselho, de 15 de Julho, pela Directiva n.o 91/156/CEE, do Conselho, de 18 de Março, e a aprovaçáo da Directiva n.o 91/689/CEE, do Conselho, de 12 de Dezembro - determinaria a revogaçáo daquele diploma pelo Decreto-Lei n.o 310/95, de 20 de Novembro, e, mais tarde, a revogaçáo deste pelo Decreto-Lei n.o 239/97, de 9 de Setembro, actualmente em vigor.

Vários factores concorrem para a necessidade de aprovar um novo regime jurídico para a gestáo de resíduos que substitua este último regime de 1997. Desde logo, avulta a de transpor para o ordenamento jurídico interno a Directiva n.o 2006/12/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Abril, codificadora da dispersa regulamentaçáo comunitária sobre resíduos. Essa codificaçáo, por seu turno, reflecte a evoluçáo do direito e da ciência que nesta área atingiu, no quadro europeu, a estabilidade suficiente para consagrar agora no ordenamento jurídico nacional um conjunto de princípios rectores da maior importância em matéria de gestáo de resíduos. É o que se verifica relativamente à noçáo da auto-suficiência, ao princípio da prevençáo, à prevalência da valorizaçáo dos resíduos sobre a sua eliminaçáo e, no âmbito daquela, ao estabelecimento de uma preferência tendencial pela reutilizaçáo sobre a reciclagem, e de uma preferência tendencial da reciclagem sobre a recuperaçáo energética.

A necessidade de minimizar a produçáo de resíduos e de assegurar a sua gestáo sustentável transformou-se, entretanto, numa questáo de cidadania. Existe uma consciência cada vez mais clara de que a responsabilidade pela gestáo dos resíduos deve ser partilhada pelo todo da colectividade: do produtor de um bem ao cidadáo consumidor, do produtor do resíduo ao detentor, dos operadores de gestáo às autoridades administrativas reguladoras. No que diz respeito aos custos inerentes à gestáo de resíduos, a afirmaçáo crescente do princípio do «poluidor-pagador» tem vindo a determinar a responsabilizaçáo prioritária dos produtores de bens de consumo, dos produtores de resíduos ou dos detentores.

No campo da valorizaçáo energética, o Decreto-Lei n.o 85/2005, de 28 de Abril, que regula a incineraçáo e co-incineraçáo de resíduos perigosos e náo perigosos, havia já feito eco da importância dada à recuperaçáo energética dos resíduos ao determinar a aplicaçáo dos mesmos valores limite às emissóes geradas por estas operaçóes independentemente do tipo de resíduos em causa, uma vez que a distinçáo entre resíduos perigosos e resíduos náo perigosos se baseia essencialmente nas propriedades que possuem antes da sua valorizaçáo energética e náo nas diferenças de emissóes que estáo associadas a essa valorizaçáo.

O panorama do sector dos resíduos sofreu ainda outras transformaçóes desde a aprovaçáo do Decreto-Lei n.o 239/97, de 9 de Setembro.

Por um lado, aceitava-se entáo que a actuaçáo do Estado se cingisse à fórmula tradicional do «comando e controlo», concretizada na elaboraçáo pública de planos e na sujeiçáo das operaçóes de gestáo de resíduos a um procedimento de autorizaçáo prévia. Contudo, uma análise dos impactes produzidos por esse modelo de relaçáo de autoridade estabelecido entre administraçáo e administrado, empregue sem amparo de outros instrumentos de diferente natureza, veio revelar que o mesmo foi até hoje insuficiente - dir-se-á, ineficiente e ineficaz à luz dos custos por si gerados - para assegurar a concretizaçáo dos princípios e objectivos entáo vigentes na matéria. Esse modelo regulatório carece de flexibilidade para acompanhar uma inovaçáo tecnológica imparável e uma incontornável diminuiçáo da capacidade de carga do meio ambiente para acolher os resíduos gerados pela sociedade.

Por outro lado, os compromissos internacionais e comunitários assumidos pelo Estado Português vieram elevar a exigência dos objectivos ambientais a atingir, como bem ilustra a necessidade comunitária de restringir drasticamente e num curto espaço de tempo o volume de resíduos depositados em aterro. Náo resta, por isso, outra alternativa que náo seja a de alargar o leque de instrumentos técnicos, jurídicos e económicos a empregar na composiçáo de uma política pública para os resíduos de forma a que os mesmos náo constituam perigo ou causem prejuízo para a saúde humana ou para o ambiente.

2 - No domínio da regulaçáo, presta-se especial atençáo ao planeamento da gestáo de resíduos, uma tarefa indeclinável para o Estado enquanto responsável que é pela política nacional de resíduos. O Decreto-Lei n.o 239/97, de 9 de Setembro, determinava a elaboraçáo de cinco planos de gestáo de resíduos, um nacional e quatro sectoriais para cada uma das categorias de resíduos: urbanos, hospitalares, industriais e agrícolas. Náo obstante estarem actualmente em vigor três planos sectoriais - para os resíduos urbanos [Plano Estratégico de Resíduos Sólidos Urbanos (PERSU)], para os resíduos industriais [Plano Estratégico de Resíduos Indus-triais (PESGRI)] e para os resíduos hospitalares [Plano Estratégico dos Resíduos Hospitalares (PERH)] -, cujas orientaçóes e linhas estratégicas de decisáo têm norteado a gestáo de resíduos no território nacional ao longo dos últimos anos, a experiência acumulada com a sua aplicaçáo ao nível local demonstra a necessidade de serem criados instrumentos municipais de gestáo de resíduos que permitam concretizar estas orientaçóes a um nível mais restrito. Mais ainda, ficou patente, ao longo destes anos, a necessidade de conceber um procedimento pormenorizado de elaboraçáo e de revisáo dos planos existentes que permita o acompanhamento permanente do sector.

Ainda no domínio da regulaçáo, e sendo a gestáo de resíduos uma actividade já condicionada, pretende-se agora reformar o mecanismo da autorizaçáo prévia de molde a aproximá-lo dos modelos em vigor nos ordenamentos jurídicos dos demais parceiros comunitários. Assim, as operaçóes de gestáo de resíduos ficam sujeitas a um procedimento administrativo célere de controlo prévio, que se conclui com a emissáo de uma licença, e, sobretudo, a procedimentos administrativos que asseguram uma efectiva monitorizaçáo da actividade desenvolvida após esse licenciamento. Inovadora é a introduçáo de mecanismos de constante adaptaçáo das licenças às inovaçóes tecnológicas que sempre surgem com rapidez neste sector e de mecanismos de resposta a efeitos negativos para o ambiente que náo tenham sidoprevistos na fase de licenciamento, bem como a introduçáo de procedimentos que visam acompanhar as vicissitudes da actividade de gestáo de resíduos, como sejam as da transmissáo, alteraçáo e renovaçáo das licenças.

O regime que ora se institui também náo perde de vista a necessidade ponderosa de simplificar as relaçóes administrativas que o Estado estabelece com o particular. Desde logo, o prazo previsto para o procedimento geral de licenciamento previsto neste decreto-lei é 20 dias mais breve do que o do anterior procedimento de autorizaçáo prévia constante do Decreto-Lei n.o 239/97, de 9 de Setembro; e é igualmente prevista a aplicaçáo de um regime de licenciamento simplificado que permite a emissáo de uma licença num prazo máximo de 20 dias. Prevê-se ainda a possibilidade de dispensa de licenciamento para determinadas operaçóes quando sejam definidas normas específicas para o exercício das mesmas, ficando neste caso sujeitas a uma comunicaçáo prévia. Ainda no âmbito dos procedimentos criados pelo presente decreto-lei, adopta-se o recurso aos meios informáticos como método de agilizaçáo da tramitaçáo procedimental e desloca-se a obrigaçáo de obter informaçáo detida por autoridades públicas para a esfera da entidade licenciadora. E de modo a evitar uma oneraçáo desnecessária do particular com o esforço de se sujeitar a procedimentos administrativos diferentes com vista a exercer uma mesma actividade, o licenciamento ora criado articula-se numa relaçáo de complementaridade e alternatividade com os regimes de licenciamento ambiental e de licenciamento industrial já em vigor. Assim, as operaçóes de gestáo de resíduos sujeitas aos regimes do licenciamento ambiental ou industrial náo ficam sujeitas à emissáo de qualquer outra licença adicional, sendo o cumprimento do presente decreto-lei assegurado no âmbito desses procedimentos. O novo regime introduz, portanto, um acréscimo de eficiência e de eficácia na prossecuçáo dos seus objectivos, sem prejuízo da imperativa defesa do interesse público em causa.

3 - O diploma que agora se aprova náo se limita, porém, à introduçáo de aperfeiçoamentos ao regime legal até agora em vigor. Bem pelo contrário, pretende-se com ele introduzir instrumentos novos no ordenamento jurídico português, desde logo aqueles que se prendem com uma melhor gestáo da informaçáo em matéria de gestáo dos resíduos, hoje em dia imprescindível náo apenas para que a Administraçáo realize cabalmente as suas funçóes como para operadores económicos e grande público.

A necessidade de garantir a recolha de toda a informaçáo relevante sobre o «ciclo de vida» dos resíduos havia determinado a obrigatoriedade de realizaçáo de um registo de um conjunto de dados relativos à sua produçáo e gestáo já no âmbito do Decreto-Lei n.o 239/97, de 9 de Setembro. O ónus de recolha desses elementos recaía, porém, ainda que em moldes distintos, sobre produtores e operadores de gestáo de resíduos, de onde resultou o agravamento dos encargos burocráticos dos particulares e a ineficácia do sistema de registo. Mais ainda, o próprio sistema de registo a implementar divergia consoante o tipo de resíduos em causa, tornando a informaçáo disponível incoerente, por um lado, insuficiente, por outro. Actualmente, a evoluçáo dos meios tecnológicos permite e impóe o recurso a mecanismos de registo de informaçáo mais evoluídos.

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