Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro de 2007

MINISTÉRIO DO TRABALHO E DA SOLIDARIEDADE SOCIAL Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de Outubro A avaliação médico -legal do dano corporal, isto é, de alterações na integridade psico -física, constitui matéria de particular importância, mas também de assinalável com- plexidade.

Complexidade que decorre de factores diversos, designadamente da dificuldade que pode existir na inter- pretação de sequelas, da subjectividade que envolve alguns dos danos a avaliar, da óbvia impossibilidade de submeter os sinistrados a determinados exames complementares, de inevitáveis reacções psicológicas aos traumatismos, de situação de simulação ou dissimulação, entre outros.

Complexidade que resulta também da circunstância de serem necessariamente diferentes os parâmetros de dano a avaliar consoante o domínio do direito em que essa avalia- ção se processa, face aos distintos princípios jurídicos que os caracterizam.

Assim sucede nomeadamente em termos das incapacidades a avaliar e valorizar.

No direito laboral, por exemplo, está em causa a avaliação da incapacidade de trabalho resultante de acidente de trabalho ou doença profissional que determina perda da capacidade de ganho, enquanto que no âmbito do direito civil, e face ao princípio da reparação integral do dano nele vigente, se deve valori- zar percentualmente a incapacidade permanente em geral, isto é, a incapacidade para os actos e gestos correntes do dia -a -dia, assinalando depois e suplementarmente o seu reflexo em termos da actividade profissional específica do examinando.

Não obstante a diversidade de realidades apontada e a consequente necessidade de adequar a elas a avaliação dos diversos tipos das incapacidades em causa, consoante a sua natureza e a resposta particular que reclamam, a protecção jurídico -laboral reforçada dos sinistrados ou doentes é um princípio básico, do qual não se pode abdicar, em defesa dos mais elementares direitos dos trabalhadores.

Na realidade, tal princípio justifica por si só, quer a manutenção de um instrumento próprio de avaliação das incapacidades geradas no específico domínio das rela- ções do trabalho, quer ainda a sua constante evolução e actualização, por forma a abranger todas as situações em que, do exercício da actividade laboral, ou por causa dele, resultem significativos prejuízos para os trabalhadores, designadamente os que afectam a sua capacidade para continuar a desempenhar, de forma normal, a actividade profissional e, consequentemente, a capacidade de ganho daí decorrente.

O que se torna hoje de todo inaceitável é que seja a Ta- bela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (TNI), aprovada pelo Decreto -Lei n.º 341/93, de 30 de Setembro, utilizada não apenas no contexto das situações especificamente referidas à avalia- ção de incapacidade laboral, para a qual foi efectivamente perspectivada, mas também por vezes, e incorrectamente, como tabela de referência noutros domínios do direito em que a avaliação de incapacidades se pode suscitar, para colmatar a ausência de regulamentação específica que lhes seja directamente aplicável.

Trata -se de situação que urge corrigir pelos erros periciais que implica, que conduz a avaliações destituídas do rigor que as deve caracterizar, e potencialmente geradora de significativas injustiças.

Por isso mesmo opta o presente decreto -lei pela pu- blicação de duas tabelas de avaliação de incapacidades, uma destinada a proteger os trabalhadores no domínio particular da sua actividade como tal, isto é, no âmbito do direito laboral, e outra direccionada para a reparação do dano em direito civil.

Para realizar este duplo objectivo, optar -se -á pela publi- cação, como anexo I , da revisão e actualização da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais já referida, a qual decorreu nos úl- timos seis anos, fruto de ininterruptos trabalhos realizados por parte de uma comissão permanente que foi criada pela Portaria n.º 1036/2001, de 23 de Agosto, e que integrou representantes de diversos ministérios, de organismos e serviços públicos, da Associação Portuguesa de Segu- ros, dos tribunais do trabalho, da Associação Nacional dos Deficientes Sinistrados do Trabalho, da Sociedade Portuguesa de Medicina do Trabalho, das associações patronais e das associações sindicais com assento na Co- missão Permanente de Concertação Social, e do Conselho Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência.

Com tal publicação são ajustadas as percentagens de incapacidade aplicáveis em determinadas patologias, como resultado de um trabalho técnico -científico preciso e sério, levado a cabo em obediência não apenas à dinâmica do panorama médico -legal nacional, mas também por recurso ao cotejo com o preconizado em várias tabelas europeias, nomeadamente a francesa.

A pesquisa e o estudo que conduziram à actual revisão jamais perderam de vista os valores da justiça, igualdade, proporcionalidade e boa -fé, nem descuraram também o pressuposto da humanização de um processo de avalia- ção das incapacidades que sempre deve ter em conta que o dano laboral sofrido atinge a pessoa, para além da sua capacidade de ganho.

A precisão e seriedade do trabalho desenvolvido, assente nos valores e pressupostos referenciados, são, para além do mais, garantidos pela própria composição da comis- são permanente criada e pela forma como todos os seus elementos assumiram, nos longos e complexos trabalhos desenvolvidos, a co -autoria do processo de revisão.

Em segundo lugar, como anexo II , o presente decreto -lei introduz na legislação nacional uma Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, que visa a criação de um instrumento adequado de avalia- ção neste domínio específico do direito, consubstanciado na aplicação de uma tabela médica com valor indicativo, destinada à avaliação e pontuação das incapacidades re- sultantes de alterações na integridade psico -física.

Esta segunda tabela que ora se institui insere -se numa progressiva autonomização da avaliação do dano corpo- ral em direito civil que vem tendo lugar nas legislações de diversos países, as quais, identificando esses danos, os avaliam e pontuam por recurso a tabelas próprias, a exemplo, aliás, do que acontece com a própria União Europeia, no seio da qual entrou recentemente em vigor uma tabela europeia intitulada «Guide barème europeén d'evaluation dês atteintes à l'intégrité physique e psychi- que». Nesta encontram -se vertidas as grandes incapacida- des, estabelecem -se as taxas para as sequelas referentes aos diferentes sistemas, aparelhos e órgãos e respectivas funções e avaliam -se as situações não descritas por compa- ração com as situações clínicas descritas e quantificadas.

Fortemente inspirada nesta tabela europeia, mas tam- bém fruto da elevada capacidade científica e técnica do Instituto de Medicina Legal, que a co -redigiu, esta nova Ta- bela Nacional para o direito civil destina -se a ser utilizada exclusivamente por médicos especialistas em medicina legal ou por especialistas médicos de outras áreas com específica competência na avaliação do dano corporal, ou seja por peritos conhecedores dos princípios da avaliação médico -legal no âmbito do direito civil e das respectivas regras, desde os problemas decorrentes de um eventual estado anterior, à problemática das sequelas múltiplas, constituindo assim um elemento auxiliar que se reputa de grande utilidade prática para a uniformização de critérios e procedimentos.

De acordo com esta nova tabela, a avaliação da inca- pacidade basear -se -á em observações médicas precisas e especializadas, dotadas do necessário senso clínico e de uma perspectiva global e integrada, fazendo jus à me- recida reputação que Portugal tem tido na avaliação do dano corporal.

Com a adopção desta nova tabela visa -se igualmente uma maior precisão jurídica e a salvaguarda da garantia de igualdade dos cidadãos perante a lei, no respeito do princípio de que devem ter avaliação idêntica as sequelas que, sendo idênticas, se repercutem de forma similar nas actividades da vida diária.

Dado que a reparação do dano corporal se traduz em regra na fixação de uma indemnização, em virtude da impossibilidade material da plena restituição ao estado anterior, a instituição desta nova tabela constitui um impor- tante passo com vista à definição normativa e metodológica para avaliação do dano no domínio da responsabilidade civil, visando simplificar e dar maior celeridade à fixação do valor das indemnizações, nomeadamente no âmbito do seguro de responsabilidade civil automóvel.

A propósito de ambas as tabelas, refira -se, ainda, que visando um constante acompanhamento da sua correcta interpretação e aplicação e também a sua periódica revisão e actualização no sentido de nos aproximarmos, gradual- mente, de uma tabela cada vez mais abrangente do ponto de vista da avaliação da pessoa segundo os parâmetros da Classificação Internacional da Funcionalidade da respon- sabilidade da Organização Mundial de Saúde e de acordo com a vontade do governo manifesta no Plano de Acção para a Integração das Pessoas com Deficiências ou Incapa- cidade, serão criadas comissões encarregues destas tarefas, à semelhança aliás do que já existia relativamente à Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais.

Foi ouvido o Instituto dos Seguros de Portugual, I. P., e solicitada a audição da Ordem dos Médicos.

Assim: Nos termos da alínea

  1. do n.º 1 do artigo 198.º da Cons- tituição, o Governo decreta o seguinte: Artigo 1.º Objecto São aprovadas a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais e a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, constantes respectivamente dos anexos I e II ao presente decreto -lei e que dele fazem parte inte- grante.

    Artigo 2.º Âmbito 1 -- A incapacidade do sinistrado ou doente no âmbito do direito do trabalho e a incapacidade...

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