Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março de 1995

Decreto-Lei n.° 48/95 de 15 de Março 1. A tendência cada vez mais universalizante para a afirmação dos direitos do homem como princípio basilar das sociedades modernas, bem como o reforço da dimensão ética do Estado, imprimem à justiça o estatuto de primeiro garante da consolidação dos valores fundamentais reconhecidos pela comunidade, com especial destaque para a dignidade da pessoa humana.

Ciente de que ao Estado cumpre construir os mecanismos que garantam a liberdade dos cidadãos, o programa do Governo para a justiça, no capítulo do combate à criminalidade, elegeu como objectivos fundamentais a segurança dos cidadãos, a prevenção e repressão do crime e a recuperação do delinquente como forma de defesa social.

Um sistema penal moderno e integrado não se esgota naturalmente na legislação penal.

Num primeiro plano há que destacar a importância da prevenção criminal nas suas múltiplas vertentes: a operacionalidade e articulação das forças de segurança e, sobretudo, a eliminação de factores de marginalidade através da promoção da melhoria das condições económicas, sociais e culturais das populações e da criação de mecanismos de integração das minorias.

Paralelamente, o combate à criminalidade não pode deixar de assentar numa investigação rápida e eficaz e numa resposta atempada dos tribunais.

Na verdade, mais do que a moldura penal abstractamente cominada na lei, é a concretização da sanção que traduz a medida da violação dos valores pressupostos na norma, funcionando, assim, como referência para a comunidade.

Finalmente, a execução da pena revelará a capacidade ressocializadora do sistema com vista a prevenir a prática de novos crimes; 2. Não sendo o único instrumento de combate à criminalidade, o Código Penal deve constituir o repositório dos valores fundamentais da comunidade. As molduras penais mais não são, afinal, do que a tradução dessa hierarquia de valores, onde reside a própria legitimação do direito penal.

O Código Penal de 1982 permanece válido na sua essência. A experiência da sua aplicação ao longo de mais de uma década tem demonstrado, contudo, a necessidade de várias alterações com vista não só a ajustá-lo melhor à realidade mutável do fenómeno criminal como também aos seus próprios objectivos iniciais, salvaguardando-se toda a filosofia que presidiu à sua elaboração e que permite afirmá-lo como um código de raiz democrática inserido nos parâmetros de um Estado de direito.

Entre os vários propósitos que justificam a revisão destaca-se a necessidade de corrigir o desequilíbrio entre as penas previstas para os crimes contra as pessoas e os crimes contra o património, propondo-se uma substancial agravação para os primeiros.

Assume-se ainda a importância de reorganizar o sistema global de penas para a pequena e média criminalidade com vista a permitir, por um lado, um adequado recurso às medidas alternativas às penas curtas de prisão, cujos efeitos criminógenos são pacificamente reconhecidos, e, por outro, concentrar esforços no combate à grande criminalidade; 3. Na parte geral, manteve-se intocada a matéria relativa à construção do conceito de crime (artigos 1.° a 39.°), devidamente consolidada na doutrina e na jurisprudência, introduzindo-se, contudo, alterações significativas no domínio das sanções criminais.

Neste plano, onde se revela a essência do projecto de política criminal, o Código insere-se no movimento de reforma internacional que reconheceu particular impulso na década de 70 e é pacificamente aceite nos países que comungam de um mesmo património político-criminal e nos quais nos inserimos.

Assim, na sequência de recomendações do Conselho da Europa nesse sentido, privilegia-se a aplicação de penas alternativas às penas curtas de prisão, com particular destaque para o trabalho a favor da comunidade e a pena de multa.

Longe de se romper com a nossa tradição, as alterações ora introduzidas pretendem dinamizar o recurso à vasta panóplia de medidas alternativas consagradas, dotando os mecanismos já consagrados de maior eficácia e eliminando algumas limitações intrínsecas, de modo a ultrapassar as resistências que se têm verificado no âmbito da sua aplicação.

A pena de prisão - reacção criminal por excelência - apenas deve lograr aplicação quando todas as restantes medidas se revelem inadequadas, face às necessidades de reprovação e prevenção.

Contrariamente ao que sucede noutros países europeus, o Código não consagra, em regra, tipos legais de crime sancionados unicamente com pena de multa. Na verdade, esta surge normalmente em alternativa à pena de prisão. Por outro lado, em normativo algum se impõe de forma absoluta a aplicação de uma ou outra medida: relega-se sempre para o papel concretizador da jurisprudência a eleição de medida detentiva ou não - que melhor se adeqúe às particularidades do caso concreto, de acordo com critérios objectivados na própria lei. Necessidade, proporcionalidade e adequação são os princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental.

De destacar, a este propósito, a inovação constante do artigo 40.° ao consagrar que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é 'a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade'.

Sem pretender invadir um domínio que à doutrina pertence - a questão dogmática do fim das penas -, não prescinde o legislador de oferecer aos tribunais critérios seguros e objectivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa.

Na mesma linha, o artigo 43.° sublinha que a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido de reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

Aos magistrados judiciais e do Ministério Público caberá, pois, um papel decisivo na implementação da filosofia que anima o Código porquanto é no momento da concretização da pena que os desideratos de prevenção geral e especial e de reintegração ganham pleno sentido; 4. Devendo a pena de prisão ser reservada para situações de maior gravidade e que mais alarme social provocam, designadamente a criminalidade violenta e ou organizada, bem como a acentuada inclinação para a prática de crimes revelada por certos agentes, necessário se torna conferir às medidas alternativas a eficácia que lhes tem faltado.

Não raro, a suspensão da execução da pena tem-se assumido como a verdadeira pena alternativa, em detrimento de outras medidas, designadamente da pena de multa, gerando-se a ideia de uma 'quase absolvição', ou de impunidade do delinquente primário, com descrédito para a justiça penal.

Impõe-se, pois, devolver à pena de multa a efectividade que lhe cabe. A dignificação da multa enquanto medida punitiva e dissuasora passa por um significativo aumento, quer na duração em dias - de 300 dias passa para 360, sendo elevado para 900 em caso de concurso -, quer no montante máximo diário que se eleva de 10 000$ para 100 000$.

O abandono da indesejável prescrição cumulativa das penas de prisão e multa na parte especial, por uma solução de alternatividade, levou a um agravamento do limite máximo geral fixado para a pena de multa de 360 para 600 dias, correspondentes a prisão até 5 anos, de modo a responder à pequena e média criminalidade patrimonial.

Finalmente, e sem prejuízo de o condenado poder solicitar a substituição da multa por dias de trabalho em caso de impossibilidade não culposa de pagamento, a execução da pena de multa deixa de poder ser objecto de suspensão, reforçando-se assim a sua credibilidade e eficácia.

A elasticidade agora conferida à pena de multa permite configurá-la como verdadeira alternativa aos casos em que a pena de prisão se apresenta desproporcionada, designadamente pelos efeitos colaterais que pode desencadear, comportando, porém, um sacrifício mesmo para os economicamente mais favorecidos, com efeitos suficientemente dissuasores; 5. Ainda no plano das medidas alternativas, há que sublinhar significativas modificações nos institutos do regime de prova e do trabalho a favor da comunidade.

O regime de prova, descaracterizado como pena autónoma de substituição, passa a ser configurado como modalidade da suspensão da execução da pena ao lado da suspensão pura e simples e da suspensão com deveres ou regras de conduta, acentuando a vertente ressocializadora e responsabilizante da suspensão de execução da pena de prisão.

Na mesma linha, procedeu-se ao alargamento dos pressupostos da prestação de trabalho a favor da comunidade, elevando-se para 1 ano o máximo de pena de prisão que pode substituir, realçando-se as virtualidades do plano individual de readaptação.

No capítulo relativo às penas acessórias e efeitos das penas há que assinalar a inovação da consagração expressa no texto do Código Penal da proibição de conduzir. Por outro lado, e agora no âmbito das medidas de segurança não privativas da liberdade, passa a regular-se autonomamente tanto a cassação da licença de condução de veículo automóvel como a interdição da concessão de licença; 6. Outro domínio particularmente carecido de intervenção, por imperativos constitucionais de legalidade e proporcionalidade, é o das medidas de segurança.

Numa perspectiva de maximização da tutela da liberdade e segurança dos cidadãos, procedeu-se a uma definição mais rigorosa dos pressupostos de aplicação das medidas e ao estabelecimento de limites tendencialmente inultrapassáveis; 7. A parte especial foi igualmente objecto de importantes modificações, desde logo no plano sistemático.

Assim, é de assinalar a deslocação dos crimes sexuais do capítulo relativo aos crimes contra valores e interesses da vida em sociedade para o título dos crimes contra as pessoas, onde constituem um capítulo autónomo, sob a epígrafe 'Dos crimes contra a liberdade e...

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