Decreto-Lei n.º 141/77, de 09 de Abril de 1977

Decreto-Lei n.º 141/77 de 9 de Abril 1. Determinou a Constituição da República Portuguesa, no n.º 2 do seu artigo 293.º, a revisão obrigatória do Código de Justiça Militar, por forma a harmonizá-lo com os novos princípios na mesma insertos.

Sem embargo da sua aparente simplicidade, esta tarefa revestia-se, porém, de inegável melindre e complexidade, pois tal revisão não se poderia cingir à singela mudança de redacção desta ou daquela disposição, tamanha é a profundidade das inovações trazidas pela Constituição.

Em primeiro lugar, o texto fundamental veio dimensionar o foro militar no plano diametralmente oposto àquele que, desde 1875, existia.

Num rápido bosquejo verifica-se que de 1763 a 1875 vigorou entre nós o critério então generalizado na Europa e que viria a ser consagrado pelo direito napoleónico, segundo o qual a jurisdição castrense só imperava em relação aos delitos específicos da disciplina militar. O Código de 1875 veio, todavia, substituir este critério pelo inverso: à jurisdição castrense ficavam subordinados todos os militares só pelo facto de o serem e fosse qual fosse a natureza do delito cometido. O foro militar passara a foro pessoal.

Foi este critério que vigorou até hoje entre nós.

A Constituição vigente veio, pois, colocar de novo a jurisdição militar no plano do foro material. O cidadão, militar ou civil, só estará a ele sujeito enquanto violador de interesses especificamente militares. Caso negativo, sobrepõe-se-lhe o foro comum, por força da supremacia natural deste. Daqui que os militares já não respondam por delitos comuns perante o seu antigo foro especial, mas perante os tribunais ordinários, como qualquer outro cidadão. Daqui também que o cidadão não militar, ao violar os interesses superiores das forças armadas consagrados na Constituição, fique sujeito à jurisdição destas.

Ao foro militar é indiferente a qualidade do agente do crime; é a natureza deste que passa a contar, conforme expressamente refere a Constituição no seu artigo 218.º E esta alteração veio desequilibrar profundamente a estrutura do Código, assente na doutrina do foro pessoal.

  1. Por outro lado, alguns direitos e garantias agora consignados são de todo inconciliáveis tanto com o sistema penal adoptado pelo Código como em relação ao processo.

    Estão em causa, por exemplo, a proibição da pena de morte em tempo de guerra, a detenção por espaço não superior a quarenta e oito horas, o carácter jurisdicional da prisão preventiva, a instrução processual como prerrogativa judicial e o habeas corpus.

  2. Destruído, assim, o precário equilíbrio de conjunto que o Código oferecia, urgia estruturar um novo sistema jurídico, sem que, todavia, se inovasse grandemente a matéria de fundo que não colidisse com os preceitos constitucionais.

    O presente Código corresponde a esse intento.

    Por ele limita-se o foro militar ao conhecimento de crimes essencialmente militares, independentemente da qualidade do agente e sem prejuízo de, pela lei ordinária, virem a ser a estes equiparados outros crimes.

    A organização judiciária militar é reestruturada em função das novas regras de processo, de modo que as autoridades judiciárias militares, no esquema tradicional, fiquem com o seu campo de acção restringido à investigação policial do crime, quando a haja, e, mesmo assim, através de órgãos especializados.

    Finalmente, o processo é todo ele reformulado, em consequência do carácter judicial imposto à instrução, tendo-se recorrido, para o efeito, à experiência colhida pelo Serviço de Polícia Judiciária Militar, que passa à dependência directa do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e funcionará junto dos diversos escalões militares, tradicionalmente competentes.

  3. Há que assinalar, todavia, que o presente Código não é inteiramente inovador, designadamente quanto à parte geral e especial dos crimes, a qual, fundamentalmente, se mantém, para além da sua simples actualização ou melhoria deredacção.

    Aliás, seria vão antecipar a sua reformulação aos estudos, ainda em curso, sobre a reforma do direito penal e processual comum, cujos códigos, depois de publicados, necessariamente influirão no de Justiça Militar.

    E a compreensível morosidade de que se revestem estes estudos é incompatível com o apertado prazo marcado pela Constituição no n.º 2 do seu artigo 293.º Este o motivo da antecipação deste Código.

    O Conselho da Revolução decreta, nos temos da alínea a) do n.º 1 do artigo 148.º da Constituição da República: Artigo 1.º É aprovado o Código de Justiça Militar, que faz parte integrante deste diploma.

    Art. 2.º - 1. Nos processos que continuem sujeitos ao foro militar e em relação aos arguidos que se achem detidos à data da entrada em vigor deste diploma a prisão preventiva não poderá exceder seis meses desde essa data até à dedução da acusação.

  4. O prazo prescrito no número anterior poderá excepcionalmente ser prorrogado, por igual tempo, mediante despacho fundamentado do juiz de instrução, nos processos de difícil instrução e por crimes a que corresponda pena de prisão maior.

  5. Decorrido o prazo de um ano sobre a data da acusação sem que tenha havido julgamento dos réus presos, aos quais se refere o n.º 1 deste artigo, seguir-se-ão os termos prescritos no artigo 370.º do Código de Justiça Militar.

    Art. 3.º Os réus condenados em penas de incorporação em depósito disciplinar continuarão a cumpri-las nos seus precisos termos e em conformidade com o regime para elas prescrito no Código anterior e legislação complementar.

    Art. 4.º Nas decisões condenatórias que imponham penas em alternativa, nos termos do anterior Código e legislação complementar, será apenas considerada a de presídio militar.

    Art. 5.º Enquanto não houver estruturas adequadas ao cumprimento da pena de prisão militar referida no presente Código, os condenados nesta pena cumpri-la-ão nos termos que o anterior Código e legislação complementar prevêem para as penas de incorporação em depósito disciplinar e prisão militar, conforme os casos.

    Art. 6.º Manter-se-ão em vigor até à publicação de novos regulamentos as normas do regulamento para execução do anterior Código de Justiça Militar respeitantes ao funcionamento interno dos tribunnais militares.

    Art. 7.º Enquanto a lei geral não prevenir a respectiva matéria, continua em vigor o disposto no artigo 403.º do Código de Justiça Militar anterior.

    Art. 8.º Os condenados pelos tribunais militares que à data da entrada em vigor deste diploma estejam em cumprimento de pena continuarão sujeitos ao regime da legislação anterior, com excepção do respeitante à liberdade condicional, à qual se aplica o disposto no presente Código.

    Art. 9.º O presente diploma e o Código de Justiça Militar que dele faz parte entram em vigor em 10 de Abril de 1977.

    Visto e aprovado em Conselho da Revolução em 1 de Abril de 1977.

    Promulgado em 1 de Abril de 1977.

    Publique-se.

    O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.

    CÓDIGO DE JUSTIÇA MILITAR LIVRO I Dos crimes e das penas TÍTULO I Disposições gerais CAPÍTULO I Generalidades Artigo 1.º - 1. O presente Código aplica-se aos crimes essencialmente militares.

  6. Consideram-se crimes essencialmente militares os factos que violem algum dever militar ou ofendam a segurança e a disciplina das forças armadas, bem como os interesses militares da defesa nacional, e que como tal sejam qualificados pela leimilitar.

    Art. 2.º As infracções disciplinares qualificadas como crimes essencialmente militares só podem ser punidas de harmonia com este Código.

    Art. 3.º Quando se verificar que um facto qualificado como crime essencialmente militar foi objecto de punição disciplinar, tal circunstância não prejudica o exercício da acção penal, observando-se, porém, o disposto no n.º 14 do artigo 20.º e no n.º 1 do artigo 47.º Art. 4.º As disposições gerais da lei geral são subsidiárias do direito penal militar, desde que não contrariem os princípios fundamentais deste.

    Art. 5.º As penas estabelecidas neste Código serão unicamente aplicadas quando, por disposição da lei penal, não corresponderem ao facto praticado outras mais graves, que em tal caso serão impostas.

    CAPÍTULO II Dos crimes Art. 6.º As disposições da lei penal militar são aplicáveis quer os crimes sejam cometidos em território português, quer em país estrangeiro, salvo tratado ou convenção internacional em contrário.

    Art. 7.º A tentativa dos crimes essencialmente militares é sempre punível, qualquer que seja a pena aplicável ao crime consumado.

    Art. 8.º - 1. A conjuração para a prática de qualquer crime essencialmente militar é punida como crime frustrado.

  7. Há conjuração quando duas ou mais pessoas se concertam para a execução do crime e resolvem cometê-lo.

    Art. 9.º - 1. A simples proposição para a prática de qualquer crime essencialmente militar é punida como tentativa desse crime.

  8. Há proposição quando alguém solicita outrem para a execução do crime.

    Art. 10.º O medo, ainda que insuperável, de um mal igual ou maior, iminente ou em começo de execução, não é causa justificativa do facto quando se trate de crime essencialmente militar e este consista na violação de algum dever militar cuja natureza exija se suporte o perigo e se supere o medo a ele inerente.

    Art. 11.º O crime essencialmente militar cometido a bordo de navio ou aeronave apresados ou por qualquer título incorporados nas forças armadas é considerado e punido como se os mesmos fossem militares.

    Art. 12.º Além das circunstâncias agravantes mencionadas na lei geral, são também consideradas como tais, em todos os crimes essencialmente militares, quando não houverem já sido especialmente atendidas na lei para a agravação da pena, as seguintes: 1.' O mau comportamento militar; 2.' Ser o crime cometido em tempo de guerra; 3.' Ser o crime cometido em acto de serviço, em razão de serviço ou em presença de tropa reunida; 4.' Ser o agente do crime comandante ou chefe, quando o facto se relacione com o exercício das suas funções; 5.' Ser o crime cometido em presença de algum superior de graduação não...

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