Assento n.º 12/94, de 21 de Julho de 1994

Assento n.° 12/94 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em pleno: I CPU Consultores - Planeamento e Gestão, Urbanistas, Arquitectos, C. R. L., autora em acção proposta pelo 10.° Juízo Cível de Lisboa, accionou Luso-Roux, L.da, pedindo-lhe o pagamento de 11 700 000$, bem como juros moratórios vencidos e vincendos.

Com base em ineptidão da petição inicial, a ré foi absolvida da instância no despacho saneador e foi negado provimento a subsequentes recursos interpostos pela autora para a Relação de Lisboa e para este Supremo.

Subsequentemente, a autora interpôs recurso para o pleno do Supremo Tribunal de Justiça, na base da oposição entre o acórdão que este Tribunal proferiu nesta acção e o que proferira em 13 de Março de 1964, no processo n.° 60 112 (Boletim do Ministério da Justiça, n.° 135, p. 337).

Através do acórdão, a fls. 41 e seguintes, por unanimidade, a 1.' Secção deste Supremo admitiu a existência de oposição de orientações, de molde a justificar-se o prosseguimento do recurso para o pleno.

Posto isto, a recorrente alegou, concluindo (já sob a nova denominação, 'PLÁGUA - Planeamento e Gestão, Urbanismo e Arquitectura, C. R. L.'), a fls.

46 e seguintes:

  1. Não é confundível a ineptidão da petição inicial por falta, em absoluto, da causa de pedir e a ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade da mesma; esta última traduz, inequivocamente, uma situação de formulação deficiente ou obscura da causa petendi, mas pressupõe que esta existe, embora não seja totalmente inteligível; b) A indistinção destas duas situações levaria a um esvaziamento do n.° 3 do artigo 193.° do Código de Processo Civil, pois ao réu nunca seria dada a hipótese de interpretar, convenientemente, uma petição inicial em que os fundamentos de facto da acção faltassem em absoluto; c) Embora o douto acórdão recorrido pareça não fazer qualquer distinção entre estas duas situações, no caso sub judice, a admitir-se, para efeitos do presente recurso, estar o articulado inicial ferido de ineptidão, o fundamento desta, como resulta inequivocamente dos autos, seria sempre a obscuridade ou deficiente formulação da causa de pedir e nunca a inexistência, em absoluto, da mesma; d) Assim sendo, como é, e face à posição assumida, pela ora recorrente, no articulado de resposta à contestação, a qual sempre se subsumiria na previsão do artigo 273.° do Código de Processo Civil, conclui-se que o douto acórdão recorrido, na solução que preconiza, caiu, basicamente, nos mesmos erros de interpretação da lei que foram imputados quer ao douto saneador, quer ao douto acórdão da Relação de Lisboa, proferido em consequência do agravo interposto daquele despacho; e) Tendo, paralelamente, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, pugnado por uma solução diametralmente oposta à solução enunciada no douto acórdão fundamento deste recurso; f) É certo que o objecto da acção tem de ser concretamente definido, devendo o direito invocado ser identificado não através do seu conteúdo genérico, mas através da sua causa ou fonte, mas não é menos verdade que, para a concretização dos factos, a primeira oportunidade que o autor tem surge com a petição, mas a segunda surgirá com a réplica (quando admitida), em que o autor, além de desenvolver o articulado inicial, pode alterar ou ampliar a causa de pedir, nos termos do artigo 273.° do Código de Processo Civil; g) Assim, o problema da ineptidão inicial tem de ser, sempre, equacionado sem menosprezar a réplica do autor, ao contrário da tese defendida no douto acórdão recorrido.

    h) É somente este entendimento que permite traçar, com o necessário rigor, a fronteira existente entre a absolvição da instância por questões de ordem processual e a absolvição da instância por razões do mérito da causa ou de direito substantivo e prosseguir os objectivos visados com a figura da ineptidão inicial, que consistem em impedir que o Tribunal fique impossibilitado de julgar, correctamente, a causa, decidindo sobre o seu mérito, e que a fase declaratória do direito se não exerça em defeituosos termos; i) Além disso, a defesa de uma posição diversa, nomeadamente a anunciada no douto acórdão recorrido, dificilmente se compreenderia sem pôr em causa o princípio da economia processual; j) Pois, se o vício da ineptidão já existia no articulado inicial, não podendo (segundo o entendimento manifestado no douto acórdão recorrido) ser, ulteriormente, sanado por qualquer forma, não faria sentido deixar prosseguir o processo até ao despacho saneador para, então, declarar a nulidade do mesmo, já que tal atitude resultaria em pura perda de actividade jurisdicional, o que não é admissível, tendo em conta o princípio da economia processual e os objectivos que, com a ineptidão da petição inicial, se visa prosseguir.

    l) Razões pelas quais a tese exposta, sustentada pelo douto Acórdão de 13 de Março de 1964, fundamento do presente recurso, não pode deixar de merecer acolhimento por ser a que melhor se identifica com os objectivos visados com a figura da ineptidão da petição inicial, com a prevalência existente, no nosso direito, do princípio da justiça material sobre a formal e com o princípio da economia processual; m) Com base no que foi exposto e numa correcta interpretação da lei, a ora recorrente, embora considerando a petição inicial apta, teve o cuidado, na réplica (dada a posição assumida pela ré no articulado antecedente), de esclarecer, explicar ou corrigir os fundamentos da causa, individualizando os factos concretos em que os mesmos se traduziram, faculdade que, tendo em conta o alegado, lhe seria sempre permitida (artigo 273.° do Código de Processo Civil); n) Em consequência de tudo o que foi exposto, verifica-se que a decisão contida no douto acórdão recorrido interpretou incorrectamente a lei, que, como já se referiu, vai no sentido de que a ineptidão da petição inicial, por ininteligibilidade da causa de pedir, tem de se formular sem menosprezar o segundo articulado do autor e de esta causa de nulidade processual ficar afastada nos casos em que, não tendo havido indeferimento liminar, 'nem recurso do despacho de citação', o autor vier a corrigir, na réplica, as deficiências da causa de pedir inicialmente formulada, violando desta forma o artigo 273.° do Código de Processo Civil e os princípios da prevalência da justiça material e da economia processual.

    Finalizando, a recorrente pede que se formule assento no sentido do acórdão fundamento e que se revogue o douto acórdão recorrido, declarando-se a aptidão da petição inicial.

    Não houve contra-alegações.

    O Ministério Público apresentou douto parecer (a fls. 67 e seguintes), propondo a revogação do acórdão recorrido e a formulação de assento em que se diga: A nulidade resultante da ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade da causa de pedir pode ser sanada na réplica, se o processo a admitir.

    Foram proporcionados vistos a todos os Ex.mos Juízes Conselheiros deste Supremo.

    Entretanto e para melhor esclarecimento, pedimos e, provisoriamente, foi apenso por linha o processo a que este recurso se reporta.

    II A matéria que ora nos ocupa, parecendo relativamente delimitada e sem grande dificuldade, todavia oferece motivos de potencial controvérsia.

    Assim e desde logo, a questão prévia da oposição de julgados, assumida como existente, por unanimidade, no precedente acórdão da 1.° Secção e que, de todo modo, não justifica alteração decisória, suscita um ou outro esclarecimento complementar.

    A oposição centra-se na 'ininteligibilidade' da causalidade do pedido que o acórdão recorrido, tanto quanto se infere, irmanou à falta de causa de pedir, para o efeito questionado. Em verdade, a oposição da orientação jurisprudencial reporta-se à inteligibilidade ou clareza da causa de pedir e não à falta tout-court da causalidade.

    Por outro lado, oficiosamente, o próprio acórdão interlocutório a que nos referimos reconheceu que entre o acórdão fundamento e o acórdão recorrido fora publicada a chamada 'reforma intercalar processual civil' emergente do Decreto-Lei n.° 242/85, de 9 de Julho, alterando a textura processual normal do processo declarativo comum ordinário, em termos de fazer pensar se isso teria trazido (porventura, indirectamente) alteração relevante dos dados do problema sub judice.

    Mas, sem prejuízo de reabordagem da questão no âmbito do acórdão final, entendeu-se que nada disso implicava modificação nuclear de tal forma que, atento, principalmente, o artigo 273.° do Código de Processo Civil, continuava a justificar-se a prolação de assento. Aliás, essa reabordagem será realizada adiante, mais em pormenor.

    Com estes esclarecimentos e na globalidade de tudo o que se disse e dirá, inexiste razão suficientemente...

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