Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2011, de 26 de Janeiro de 2011

Acórdáo do Supremo Tribunal de Justiça n. 1/2011

Processo n. 966/08.2GBMFR.L1 -A.S1 - Fixaçáo de jurisprudência

Acordam no pleno das secçóes criminais do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1 - O Ministério Público interpôs recurso extraordinário para fixaçáo de jurisprudência, ao abrigo do artigo 437. do Código de Processo Penal, do Acórdáo do Tribunal da Relaçáo de Lisboa, proferido no processo n. 966/08.2GBMFR.L1, em 25 de Novembro de 2009, por, em seu entender, se encontrar em oposiçáo com o Acórdáo do Tribunal da Relaçáo do Porto, proferido no processo n. 32/08.0GDMDL, em 27 de Maio de 2009.

2 - Por Acórdáo proferido em 8 de Abril de 2010,

foi decidido verificarem -se todos os pressupostos de admissibilidade do recurso, nomeadamente a oposiçáo de julgados sobre a mesma questáo de direito, que foi definida como sendo, em síntese, a de saber se, tratando -se de procedimento dependente de acusaçáo particular, a náo apresentaçáo do requerimento para constituiçáo como assistente, no prazo de 10 dias, a contar da advertência contida no n. 4 do artigo 246. do Código de Processo Penal, preclude, ou náo, o direito de o ofendido se constituir como assistente.

3 - Foram os sujeitos processuais notificados para alegar, nos termos e para os efeitos do n. 1 do artigo 442. do Código de Processo Penal.

530 4 - Apenas o Ministério Público apresentou alegaçóes, para concluir:

1 - Entendendo -se que o aresto recorrido deverá ser mantido e que o conflito que se suscita há -de resolver-se fixando -se jurisprudência no sentido do decidido no aresto recorrido, «2 - Propóe -se, para tal efeito, a seguinte redacçáo:

''Tratando -se de procedimento dependente de acusaçáo particular, a náo apresentaçáo do requerimento para constituiçáo como assistente no prazo de 10 dias, a contar da advertência contida no n. 4 do artigo 246. do CPP, preclude o direito de o ofendido se constituir como assistente.''

.

Nas alegaçóes produzidas, depois de analisar os principais argumentos das duas teses em confronto e o enquadramento legal aplicável à resoluçáo da questáo e respectiva evoluçáo legislativa, sustentou a posiçáo defendida, nos termos que passamos a reproduzir:

V - Posiçáo defendida

1 - Vistos os principais argumentos das duas teses em presença (1), enquadramento legal aplicável à resoluçáo da questáo controvertida e respectiva evoluçáo legislativa, estamos agora em condiçóes de avançar para a soluçáo proposta e sua fundamentaçáo, partindo do definido objecto do recurso interposto para fixaçáo de jurisprudência que é o de saber se tratando -se de procedimento dependente de acusaçáo particular, a náo apresentaçáo do requerimento para constituiçáo como assistente no prazo de 10 dias, a contar da advertência contida no n. 4 do artigo 246. do CPP, preclude, ou náo, o direito de o ofendido se constituir como assistente.

2 - A primeira observaçáo a fazer é que a questáo em apreço situa -se na temática dos crimes particulares, definidos como aqueles em que o Ministério Público só tem legitimidade para exercer a acçáo penal se houver lugar a queixa, a constituiçáo de assistente e a acusaçáo particular (artigo 50., n. 1, do CPP).

A constituiçáo como assistente, a queixa e a acusaçáo particular sáo pois condiçóes de procedibilidade cuja náo verificaçáo acarreta a ilegitimidade do Ministério Público para exercer a acçáo penal.

Refere Simas Santos e Leal Henriques, em Direito Penal, I, 2.ª ed., Rei dos Livros, p. 798, que nos crimes particulares ''a exigência de queixa e de acusaçáo particular vai buscar o seu fundamento'', por um lado, ''à diminuta gravidade da infracçáo - certas infracçóes

(p. ex. ofensas à integridade física, dano, furto familiar ou por necessidade, injúrias), atenta a sua pequena gravidade, náo violam bens jurídicos fundamentais da comunidade de modo directo e imediato a merecer, por parte desta, uma reacçáo automática. Esta reacçáo só surge [me]diante expressa manifestaçáo de vontade das pessoas directamente ofendidas'' e, por outro, atenta a ''especial natureza dos valores em causa - certos crimes atingem valores em relaçáo aos quais se impóe especial discriçáo (p. ex., os crimes sexuais). Aí a promoçáo processual sem ou contra vontade do ofendido pode ser inconveniente para interesses seus dignos de toda a consideraçáo. Daí que se lhe dê prevalência''.

Este tipo de crimes, tal como os semipúblicos - que dependem de queixa -, constituem urna limitaçáo ao princípio da oficialidade.

3 - Numa segunda observaçáo registe -se que o instituto e o regime jurídico do assistente se encontram integrados no Código de Processo Penal, título IV (''Do assistente''), livro I (''Dos sujeitos do processo'').

Ou seja, toda a matéria que regulamenta o instituto e o regime jurídico do assistente situa -se no campo do direito adjectivo. Só se podem constituir assistentes as pessoas mencionadas no artigo 68., n. 1, alíneas a) a e), do CPP.

A constituiçáo de assistente investe o ofendido na condiçáo de sujeito processual sendo ele um colaborador do Ministério Público (artigo 69. CPP), a cuja activi-dade está subordinada a sua intervençáo no processo. Assim sucede na medida em que a titularidade da acçáo penal pertence ao Ministério Público. A lei concede, contudo, ao assistente poderes de conformaçáo autónomos [v. artigos 284., n. 1, 287., n. 1, alínea b), 13., n. 2, e 69., n. 2, todos do CPP).

Na linha do já exposto, reafirma -se com Damiáo da

Cunha, em Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 5., fascículo 2, Abril -Junho 1995, p. 153, ''náo haver dúvidas que a figura do assistente corresponde a uma especificidade do direito processual português. Náo se encontra uma figura análoga no direito comparado e pode dizer -se ainda que significa uma peculiaridade face aos cânones tradicionais do processo penal, centrado na tríade 'tribunal -MP -arguido'''.

4 - A terceira observaçáo a fazer é a de que para se encontrar a resposta à questáo de saber se a náo apresentaçáo do requerimento no prazo de 10 dias preclude ou náo o direito de o ofendido se constituir assistente, é necessário indagar sobre a natureza do prazo.

Em matéria de prazos judiciais (processuais), Antunes Varela define prazo como o ''período de tempo dentro do qual um acto pode ser realizado (prazo peremptório, conclusivo, preclusivo ou resolutivo) ou a partir do qual um outro prazo começou a correr (prazo dilatório ou suspensivo)'', cf. Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1985, p. 63.

Estas duas modalidades de prazo estáo previstas no artigo 145. do CPC, aplicável ex vi do artigo 4. do CPP.

O autor distingue ainda os prazos cominatórios referindo que ''dizem -se cominatórios, por envolverem uma cominaçáo ou ameaça, os prazos estabelecidos para o efeito de a pessoa realizar certo acto dentro de determinado período de tempo, sob pena de sofrer uma sançáo por praticá -lo posteriormente''. Dá como exemplo desta modalidade de prazo, o prazo para apresentaçáo de documentos destinados a provar os factos alegados pelas partes. Isto é, tais documentos devem ser apresentados com o articulado onde o facto é referido sob pena de, embora possa ser oferecido até ao encerramento da discussáo em 1.ª instância, a parte fica[r] sujeita ao pagamento de multa.

Por sua vez, Germano Marques da Silva, em Curso de Processo Penal, vol. II, Verbo, 1993, pp. 36 e 37, após referir que ''os prazos processuais permitem a coordenaçáo dos diversos actos, sob um ponto de vista temporal, garantindo a celeridade da decisáo dos processos, a certeza e a estabilidade das situaçóes jurídica[s], o tempo necessário para a afirmaçáo e defesa dos direitos fundamentais'', classifica os prazos processuais penais corno dilatórios, peremptórios e prazos ordenadores.

O citado autor, refere que ''os prazos ordenadores estabelecem um limite para a sua prática mas nem por isso se praticados após esse limite perdem a validade, podendo, porém, o agente que náo o respeitou sofrer uma sançáo e, por isso, também frequentemente designados cominatórios. A generalidade dos prazos processuais do tribunal, do MP, na fase de inquérito, e da secretaria sáo prazos meramente ordenadores''.

Aos prazos processuais aplicam -se as regras de contagem dos prazos previstas no artigo 104. do CPP. Os prazos sáo contínuos e apenas correm em férias os prazos relativos a processos nos quais se devam praticar os actos previstos no artigo 103., n. 2, alíneas a) a e), do CPP. Aos prazos substantivos, tais como os prazos da prisáo preventiva, prazos de prescriçáo, prazos para apresentaçáo ao juiz de pessoa detida, prazos de caducidade, náo se aplicam aquelas regras de contagem - v.

Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1.ª ed., reimpressáo, Coimbra Editora, 2004, p. 34.

5 - Numa segunda linha de análise, mais concreta, considerando que no caso o prazo de 10 dias em questáo está direccionado à prática de um acto processual (requerer a constituiçáo como assistente), integra -se no direito adjectivo e tendo em conta as regras de contagem que lhe sáo aplicáveis, dúvidas náo ternos de que se trata de um prazo judicial/processual.

Contudo, perante as classificaçóes doutrinais que se oferecem em matéria de prazos, o artigo 68., n. 2, tem dado azo a (pelo menos) duas interpretaçóes jurisprudenciais antagónicas e de consequências opostas. Como se viu, uns, consideram -no um prazo peremptório e, outros, um prazo meramente ordenador ou disciplinador.

Mas qual terá sido a intençáo do legislador?

6 - Em matéria de interpretaçáo da lei processual penal, o Código de Processo Penal nada disciplina sendo, assim, de recorrer aos critérios gerais de interpretaçáo previstos no artigo 9. do Código Civil com especial atençáo às finalidades do processo penal.

Segundo o n. 1 do referido preceito legal ''a inter-pretaçáo náo deve cingir -se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condiçóes especificas do tempo em que...

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