Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 304/2011, de 28 de Julho de 2011

TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 304/2011 Processo n.º 125/2010 Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional: I — Relatório 1 — A Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores requereu, ao abrigo da alínea

  1. do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição e nos termos do artigo 62.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), a apreciação e declaração da inconstitucionalidade, com força obri- gatória geral, das normas contidas nas alíneas

  2. e

  3. do artigo 13.º da Lei n.º 90/2009, de 31 de Agosto, que proce- dem, respectivamente, à revogação do Decreto Legislativo Regional n.º 21/92/A, de 21 de Outubro de 1992 (objecto da Declaração de Rectificação n.º 28/93, publicada no Diário da República, 1.ª série -B, de 27 de Fevereiro de 1993), e do Decreto Regulamentar Regional n.º 9/93/A, de 6 de Abril.

    Alegou, no essencial, o seguinte: A Lei n.º 90/2009, de 31 de Agosto, define um regime especial de protecção social na invalidez, no âmbito do regime geral da segurança social do sistema previdencial, do regime não contributivo do subsistema de solidariedade e do regime de protecção social convergente.

    Este regime especial de protecção abrange as pessoas em situação de invalidez originada por paramiloidose familiar, doença de Machado -Joseph (DMJ), sida (vírus da imunode- ficiência humana, HIV), esclerose múltipla, doença de foro oncológico, esclerose lateral amiotrófica (ELA), doença de Parkinson (DP) e doença de Alzheimer (DA). Através das normas constantes das alíneas

  4. e

  5. do seu artigo 13.º, esta lei revogou expressamente o Decreto Legislativo Regional n.º 21/92/A, de 21 de Outubro, que institui medidas de apoio aos indivíduos portadores da doença de Machado -Joseph, e o Decreto Regulamentar Regional n.º 9/93/A, de 6 de Abril, que regulamenta essa protecção especial prevista para estes doentes.

    Com isso, a Lei n.º 90/2009, de 31 de Agosto, vem retirar benefícios sociais aos indivíduos portadores da mencionada doença, nomeadamente quanto à concessão e fornecimento não oneroso de material clínico.

    Acontece que esta revogação padece de grave incons- titucionalidade.

    Na verdade, na redacção proveniente da revisão cons- titucional de 2004, a Constituição ampliou significativa- mente, numa lógica de respeito pela autonomia regional e pelo princípio da subsidiariedade do Estado, o poder legis- lativo regional.

    Concretamente, procedeu -se à supressão do conceito de «interesse específico» como fundamento e limite para o exercício do poder legislativo regional, e decaiu a exigência de observância, por parte dos actos legislativos regionais, das «leis gerais da República», que aliás desapareceram como categoria constitucional.

    Neste contexto, o disposto no artigo 228.º, n.º 2, da CRP [reafirmado pelo artigo 15.º do Estatuto Político- -Administrativo da Região Autónoma dos Açores (EPA- RAA)] impõe que, em matéria não reservada à competência dos órgãos de soberania, as normas legais aprovadas a nível nacional apenas se apliquem na falta de legislação regional sobre tal matéria.

    Tendo em conta o princípio da supletividade expressamente consagrado no referido preceito, impõe -se concluir que as normas legais nacionais que tratem de matérias não reservadas aos órgãos de sobe- rania só têm aplicação nas regiões autónomas quando se verifique a falta de legislação regional.

    Quando a matéria já estiver regulada a nível regional (como no caso sucedia) não pode o Estado intervir com nova legislação.

    As leis e os decretos -leis só serão aplicáveis no território regional enquanto as respectivas assembleias legislativas não legis- larem sobre a matéria.

    Se já o tiverem feito, a legislação nacional não pode revogar a legislação regional.

    Hoje é possível extrair, como já defendia uma parte significativa da doutrina antes de 2004, uma reserva de competência legislativa a favor das regiões autónomas para, em matérias não reservadas aos órgãos de soberania e sobre as quais os parlamentos insulares possam estatuta- riamente legislar, aprovar legislação de âmbito regional.

    Ao afirmar inequivocamente que compete à assembleia legislativa legislar no âmbito regional e ao reforçar, em termos gerais, a autonomia regional, a revisão constitu- cional veio também reforçar a concepção que advogava a existência de uma reserva de competência legislativa a favor da região autónoma.

    Admitir o contrário é supor que a Constituição adoptou um sistema de competências legisla- tivas que permite um grave e confuso conflito institucional, em que os órgãos de soberania legislariam sobre uma de- terminada matéria para, posteriormente, a correspondente assembleia legislativa legislar diferentemente.

    O juízo de inconstitucionalidade das normas constantes das alíneas

  6. e

  7. do artigo 13.º da Lei n.º 90/2009, de 31 de Agosto, resulta pois também do disposto na alínea

  8. do n.º 1 do artigo 227.º da CRP, quando atribui competência legislativa a cada Região Autónoma nas matérias enuncia- das no respectivo estatuto político -administrativo.

    O EPARAA, no artigo 58.º, n.º 2, alínea

    j), atribui à As- sembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores a competência para legislar em matéria de «apoio aos cidadãos portadores de deficiência». Esta norma é, assim, atributiva de competência legislativa à Região Autónoma dos Açores para editar legislação de protecção às pessoas portadoras da DMJ, que tem uma especial incidência na Região Autónoma dos Açores, como atestam alguns estudos científicos sobre a matéria (veja -se M. M. de M. Lima, Doença de Machado- -Joseph nos Açores.

    Estudo Epidemiológico, Biodemográfico e Genético, tese de doutoramento, Universidade dos Açores, Departamento de Biologia, Ponta Delgada, 1996). A conjugação do disposto no artigo 227.º, n.º 1, alínea

    a), e no artigo 228.º, n.º 2, da Constituição da República Por- tuguesa, estabelece uma preferência das normas regionais face às normas emanadas pelos órgãos de soberania que disciplinem a mesma matéria.

    Tal preferência da norma regional impõe uma reserva negativa de normação por parte dos órgãos de soberania, excluindo, de todo, a competên- cia destes para revogar expressis verbis [como o fazem as alíneas

  9. e

  10. do artigo 13.º da Lei n.º 90/2009, de 31 de Agosto] normas de direito regional com o mesmo objecto, âmbito e alcance.

    Além disso, sem prescindir, não houve qualquer tipo de audição dos órgãos de governo da Região, como im- põe o artigo 229.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

    No caso vertente, estamos inclusivamente perante matéria de competência legislativa da Região Autó- noma dos Açores [cf. o artigo 58.º, n.º 2, alínea

    j), do EPARAA]. Além disso, a doença de Machado -Joseph tem especial incidência nos Açores, circunstância que levou a Região a legislar sobre a matéria.

    As normas constantes das alíneas

  11. e

  12. do artigo 13.º da Lei n.º 90/2009, de 31 de Agosto, tratam portanto de uma matéria respeitante à Região Autónoma e, conse- quentemente, impunha -se o dever de audição por parte dos órgãos de soberania.

    Em suma, as normas impugnadas violam o disposto nos artigos 227.º, n.º 1, alínea

    a), 228.º, n. os 1 e 2, e 229.º, n.º 2, da Constituição da República. 2 — Notificado para se pronunciar sobre o pedido, o Presidente da Assembleia da República veio oferecer o merecimento dos autos, enviando cópia de documentação relativa aos trabalhos preparatórios da Lei n.º 90/2009, de 31 de Agosto. 3 — Discutido o memorando elaborado pelo Presidente do Tribunal (artigo 63.º da LTC), cumpre formular a deci- são em conformidade com a orientação que fez vencimento (artigo 65.º da LTC). II — Fundamentação

    1. Competência legislativa dos órgãos de soberania e autonomia legislativa regional 4 — O Decreto Legislativo Regional n.º 21/92 -A es- tabeleceu medidas de apoio a indivíduos portadores da doença de Machado Joseph recenseados nos centros de saúde da Região (artigo 1.º). Nos seus artigos 2.º e 3.º o diploma regional garante o acesso a «uma pensão de invalidez, no âmbito da segurança social» aos cidadãos acometidos dessa doença que estejam «recenseados nos centros de saúde da Região» e sofram «de uma incapaci- dade funcional igual ou superior a 70 %, nos termos da Tabela Nacional de Incapacidades». O diploma prevê, também, no artigo 4.º, o direito a um «subsídio de acom- panhante», que é concedido aos doentes que preencham as condições para auferirem a pensão de invalidez ou que, independentemente do grau de incapacidade, deixem de ter a possibilidade de locomoção.

    E, nos artigos 5.º e 6.º, o diploma atribui a todas as pessoas portadoras da DMJ o direito ao «material clínico de apoio» de que necessitem (designadamente cadeiras de rodas, canadianas, calçado ortopédico, almofadas antiescaras, algálias, sacos para recolha de urina, fraldas) a ser distribuído «gratuitamente pelos centros de saúde». O Decreto Regulamentar Regional n.º 9/93/A, por seu turno, regulamenta as condições de atribuição das men- cionadas pensões de invalidez, a respectiva fórmula de cálculo e os montantes mínimos e regula, igualmente, as condições de acesso ao subsídio de acompanhante que, nos termos do artigo 12.º, n.º 1, deverá ser requerido nos centros de prestações pecuniárias do Instituto de Gestão de Regimes da Segurança Social, ou seja, no âmbito do sistema de segurança social.

    Posteriormente, a Lei n.º 90/2009, de 31 de Agosto, veio instituir, com âmbito nacional, um regime especial de pro- tecção das pessoas em situação de invalidez originada por paramiloidose familiar, doença de Machado -Joseph, sida (vírus da imunodeficiência humana), esclerose múltipla, doença de foro oncológico, esclerose lateral amiotrófica, doença de Parkinson ou doença de Alzheimer.

    Este di- ploma legal alargou o elenco das patologias e o âmbito de protecção social concedido por legislação anterior (v. g., Lei n.º 1/89, de 31 de Janeiro, Decreto -Lei n.º 92/2000, de 19 de Maio, Decreto -Lei n.º 216/98, de 16 de Julho, Decreto -Lei n.º 327/2000, de 22 de Dezembro, e Decreto- -Lei n.º 173/2001, de 31 de Maio)...

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